Marcia Carmo
De Buenos Aires para a BBC Brasil
A Assembleia Geral do Congresso do Uruguai votou nesta quarta-feira pela inconstitucionalidade da chamada Lei de Caducidade, que anistiou militares e policiais acusados de violações aos direitos humanos durante o período da ditadura militar no país, entre 1973 e 1985.
O resultado, aprovado em uma sessão conjunta de deputados e senadores por 69 votos a dois, respalda um pedido do presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, para que a lei fosse declarada inconstitucional para um caso específico, de uma jovem torturada e morta durante a ditadura.
A última palavra sobre a inconstitucionalidade ou não da lei será da Suprema Corte de Justiça e poderá abrir caminho, na opinião de parlamentares da oposição e do governo, para a reabertura de outros casos de abusos cometidos durante a ditadura.
A Suprema Corte tem 110 dias para se pronunciar sobre o tema.
A lei havia sido aprovada pelo Congresso em 1986 e ratificada em um referendo em 1989.
Outros casos
"A Lei de Caducidade levou todos os presidentes a evitarem discussões sobre o assunto. Mas o presidente Tabaré (Vázquez) entendeu que a lei não anistia tortura e assassinatos. Agora, se a Suprema Corte decidir pela inconstitucionalidade da lei, outros casos serão reabertos. Não temos dúvida disso", disse à BBC Brasil o deputado Luis Gallo, da base governista Frente Ampla.
Segundo ele, o atual governo entende que a lei de anistia foi aprovada pelo Congresso em uma época de "fortes pressões dos militares", que então se negavam a se apresentar à Justiça para explicar os crimes do período autoritário.
A votação desta quarta-feira gerou forte polêmica entre a oposição, o que fez com que deputados e senadores dos partidos oposicionistas Blanco e Colorado deixassem o plenário antes da decisão.
Eles argumentaram que o Congresso não deveria participar de uma decisão que seria somente da Suprema Corte de Justiça.
Outros afirmaram que a lei está em vigor e que não deve ser debatida agora, mais de duas décadas após o fim do regime.
A legislação foi aprovada quando o presidente do país era o atual senador Julio Maria Sanguinetti, que também deixou o plenário antes da votação.
À época de sua aprovação, a Lei de Caducidade contou com o apoio tanto do Partido Blanco como do Colorado.
Ditadura
A discussão sobre a lei de anistia começou quando o presidente do país, por meio da Procuradoria de Justiça, mandou um texto ao Supremo pedindo a revisão da lei para o caso de uma estudante sequestrada enquanto escrevia a frase "abaixo a ditadura" em um muro.
A estudante, que era militante comunista, acabou sendo morta em 1974 em uma unidade militar.
A Suprema Corte entendeu que o Congresso deveria dar seu parecer, o que foi feito a partir da iniciativa do vice-presidente do país e presidente da Casa, Rodolfo Nin Novoa.
O governo Vázquez tem a maioria absoluta dos votos dos 99 deputados e 30 senadores do país.
Iniciativas anteriores do governo de Tabaré Vázquez levaram recentemente militares que cometeram abusos durante a ditadura para a prisão.
Ao mesmo tempo, a Justiça autorizou a busca de corpos de desaparecidos políticos em escavações em unidades militares. Até agora, dois já foram localizados.
Estima-se que cerca de 200 uruguaios tenham desaparecido durante o período da ditadura militar no país.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
LIBERDADE, PAZ E JUSTIÇA
Jorge Rubem Folena de Oliveira
A liberdade é a irmã mais velha da paz. As duas são filhas da justiça. Mas como promover a liberdade, a paz e a justiça? Sem liberdade, não há paz. E sem paz, não há justiça.
A todo momento é apregoado que vivemos numa sociedade livre. Será que esta liberdade existe de fato?
A Constituição diz, em seu preâmbulo, que vivemos em “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.
Se o direito fosse o instrumento maior da sociedade, ninguém teria o que reclamar. Porém, a experiência do dia-a-dia revela outra face, cruel e triste. A maioria da população vive em condições de insalubridade, principalmente nos grandes centros urbanos, onde residem mais de 80% dos brasileiros. Basta iniciar o verão para ficarmos preocupados com epidemias de dengue. A cada esquina se vê a ampliação de favelas e o empobrecimento dos bairros proletários.
Será que a simples circulação (o ir e vir) dos indivíduos e a capacidade de expressar um pensamento constituem a plena liberdade?
O que se ganha de salário mínimo (R$ 415) mal dá para pagar o transporte para o trabalho. Daí a proliferação de pessoas dormindo debaixo de marquises, durante a semana, nos grandes centros urbanos.
Por outro lado, a informação não chega às pessoas de forma completa, sem recortes ou distorções. Por exemplo, você sabia que na América Latina apenas três países (Cuba, Venezuela e Bolívia) conseguiram erradicar o analfabetismo? O acesso ao conhecimento, mesmo o simples saber ler, é indispensável para se exercer a liberdade.
O direito à informação não é tão amplo, como garante a Constituição (art. 5º, XIV), uma vez que os veículos de comunicação censuram a notícia, restringem o seu conteúdo, deixando de levar ao conhecimento do povo fatos importantes relacionados ao seu próprio destino.
Como se falar, então, em liberdade, numa sociedade onde a maioria tem suas necessidades de alimentação, abrigo e educação supridas com precariedade?
Nessas condições, como se esperar a paz? Se a liberdade não existe, muito menos se pode exigir que a sua irmã esteja presente. Assim, fica desolada a mãe-justiça.
Para promover a paz, é preciso antes assegurar liberdade em plenitude, garantindo aos homens os itens necessários a uma vida digna, o que é possível no Brasil, diante da imensa riqueza (natural e cultural), bastando vontade política. Feito isso, não há dúvida de que a paz reinará.
Portanto, sem liberdade e paz não haverá justiça entre os homens, por mais boa vontade que alguns possam ter.
Nos dias atuais, não podemos ficar em função do que ocorre na Europa e na América do Norte. Temos que intensificar o conhecimento do que ocorre ao nosso redor, na América Latina, e promover uma ampla integração.
Não é na velha Europa nem na América imperialista que o novo ocorrerá. Nestes locais, o sistema está desgastado, como comprovam os acontecimentos recentes, com as fraudes financeiras e a exigência de capitalização dos gestores do sistema com o dinheiro público.
Se algo novo está acontecendo no mundo, ocorre aqui ao nosso lado. Os povos do sul da América têm se levantado contra anos de exploração, que só conduziram à pobreza e à marginalização da nossa gente, apesar da grande mídia tentar distorcer a verdade dos acontecimentos, criando mitos de ditaduras.
Mas será que as supostas ditaduras apontadas pelos meios de comunicação são tão duras quanto as que maltrataram, ceifaram a vida de jovens e ampliaram a desigualdade social?
Se deixarmos de lado os preconceitos, veremos que são governos respaldados pela vontade popular, integrados por pessoas que representam suas origens históricas e que estão lutando por sua soberania e autodeterminação.
Isto incomoda muita gente, habituada à discriminação, à indiferença e ao medo. Esta fórmula conduz ao desamor, à ausência de compaixão e de dignidade humana.
Os recentes governos populares eleitos na América Latina têm a missão de manter acesa a chama da esperança e da transformação. A mudança não acontecerá da noite para o dia, pois, como todo processo, requer tempo. Porém é necessário que tenha o seu início agora, em respeito aos nossos antepassados e às gerações futuras. Todos nós que sofremos estas agruras temos o dever de não deixá-las se perpetuarem.
Não podemos mais aceitar tanta pobreza numa terra tão rica, porém onde a riqueza não é compartilhada pela maioria. Somente uma mudança social profunda e verdadeira poderá trazer a liberdade e fazer prevalecer a paz e a justiça, de fato e de direito.
É preciso cessar a expropriação de nossas matérias-primas, que teve início na colonização e continua com a transferência, a preços risíveis, de bens da América Latina para outros continentes. Os frutos da terra devem ser revertidos em favor da população local, para que esta finalmente tenha acesso a uma sobrevivência digna. Senão, continuaremos todos a reclamar da violência e da ausência de paz.
Neste ponto, é grande a importância do direito e da jurisprudência, que podem apontar um caminho novo e participativo.
Os manuais de filosofia e de sociologia jurídica, sem exceção, afirmam que o direito é mero instrumento de manutenção da ordem social. É verdade, sim. Ninguém em sã consciência poderia afirmar outra coisa.
Mas os acadêmicos e os profissionais do direito necessitam despertar a consciência coletiva para um diferente enfoque na interpretação da legislação, a fim de que a justiça possa reinar.
A face negativa da execução da lei é representada pelo direito punitivo e o previdenciário, que atingem diretamente os mais pobres.
Hoje, o atual governo, por meio de uma reforma tributária, almeja revogar a contribuição social, prevista na Constituição de 1988 para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social), sob o argumento de reduzir a folha de pagamento das empresas, criando, assim, um novo imposto que, se aprovado, será prejudicial ao setor produtivo e aos trabalhadores, pois aumentará a carga tributária e restringirá direitos sociais.
Se a saúde já é precária, a assistência social não protege o necessitado e a previdência paga o mísero salário mínimo, como ficará nossa gente?
Porém, se o direito é instrumento de controle social, como dizem os filósofos e sociólogos, acredito que poderia contribuir com o processo de mudança social.
Para isto, a jurisprudência é fundamental. O papel dos advogados é importante ao levarem as pretensões e reclamações aos Tribunais, fazendo com que os juízes se abram para ouvir a voz do povo. Não dá para ficar recolhido em “Palácios da Justiça”. É necessário estar próximo e caminhar junto à população, a quem os magistrados, sem exceção, devem bem servir.
Muito mais coisas podem e devem ser modificadas na atuação dos profissionais do direito. Há quem pense que é pedir muito, mas acredito, desta forma, que é possível transformar o país num Brasil para os brasileiros, onde a liberdade, a paz e a justiça existam em plenitude.
II
EFETIVIDADE DE JUSTIÇA
É comum ao cidadão o conhecimento de processos judiciais que duram mais de 10, 20 e até 30 anos. Esta grave situação é prejudicial para todos. As pessoas deixam de postular seus direitos, pois sabem que a justiça é muito lenta. Os advogados são prejudicados porque seus possíveis clientes desistem de contratá-los, tendo em vista a demora da prestação jurisdicional, aceitando muitas vezes um acordo por valor inferior, haja vista o tempo de resposta para a satisfação do seu direito.
Não resta dúvida de que a lentidão do Judiciário conduz à ausência de justiça. Essa apatia não deveria mais existir diante da Emenda Constitucional nº 45/2004, uma vez que os processos deveriam ter “razoável duração” e “celeridade em sua tramitação” (art. 5º., LXXVIII, da Constituição). Foi ordenado que “não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal” (art. 93, II, “e”).
O Código de Processo Civil prevê que o juiz proferirá despachos de expediente em 2 dias e decisões e sentenças em 10 dias (artigos 189, 281 e 456). Na prática, isto não é observado. Os juízes dizem que há acúmulo de trabalho e, assim, justificam o não cumprimento da lei e da Constituição. Mas há muitos magistrados que são professores. Será que estes cumprem os prazos determinados na lei?
O advogado que não observa os prazos processuais e causa prejuízos aos seus clientes é passível de punição disciplinar e reparatória de dano. E os magistrados que não cumprem a lei, em qualquer instância, também deveriam ser punidos, não apenas respondendo por perdas e danos, conforme prevê o artigo 133 do Código de Processo Civil, mas com o afastamento do cargo, na medida em que é dever da própria instituição exigir “eficiência”, princípio que também deve ser observado pelo Judiciário (art. 37 da Constituição).
Com a decantada “Reforma do Judiciário”, esperava-se que a Justiça fosse funcionar de forma ininterrupta (art. 93, XII da Constituição), sem recessos natalinos que duram mais de duas semanas. Acreditava-se ainda que os juízes passariam a ter 30 dias de férias como os demais trabalhadores, ao invés de 60 dias, e que, pelo acúmulo de trabalho existente e a necessidade de se promover a celeridade para a conclusão dos processos, como determina a Constituição, os magistrados passariam a ter a consciência de se dedicar exclusivamente às suas atividades, deixando de lado a possibilidade de acumularem a carreira de magistério, que estão autorizados a exercer (art. 95, § único, I, da Constituição).
O magistério é carreira nobre, mas que exige dedicação do profissional. Além das atividades de sala de aula, é necessário preparar planos de trabalho, participar de projetos de pesquisa e extensão, orientar os alunos, ler os seus trabalhos, corrigir as provas etc.
Quem não conhece um magistrado que seja professor? Por exemplo, o atual presidente do STF, conforme curriculum exibido na página do Tribunal, é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade de Brasília desde junho de 1995.
Será que dá para desempenhar as duas carreiras com prontidão e dedicação, mesmo a Constituição autorizando a acumulação desses cargos? Confesso que tenho dúvidas, mas talvez seja possível para alguns muito bem preparados. Mas para isto, o magistrado deverá observar fielmente os prazos que a lei impõe para o exercício de suas funções.
Vale lembrar que a atividade jurisdicional é um serviço prestado pelo Poder Público que cobra altíssima taxa da população, devendo, portanto, corresponder à altura dos que a mantêm.
Então, como se falar em democracia, com uma Justiça que persiste em ser lenta? Sem efetividade da justiça, não pode haver liberdade e paz.
Jorge Rubem Folena de Oliveira
Membro da Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado, do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Federação Interamericana de Advogados e da Sociedade Brasileira de Geografia.
A todo momento é apregoado que vivemos numa sociedade livre. Será que esta liberdade existe de fato?
A Constituição diz, em seu preâmbulo, que vivemos em “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.
Se o direito fosse o instrumento maior da sociedade, ninguém teria o que reclamar. Porém, a experiência do dia-a-dia revela outra face, cruel e triste. A maioria da população vive em condições de insalubridade, principalmente nos grandes centros urbanos, onde residem mais de 80% dos brasileiros. Basta iniciar o verão para ficarmos preocupados com epidemias de dengue. A cada esquina se vê a ampliação de favelas e o empobrecimento dos bairros proletários.
Será que a simples circulação (o ir e vir) dos indivíduos e a capacidade de expressar um pensamento constituem a plena liberdade?
O que se ganha de salário mínimo (R$ 415) mal dá para pagar o transporte para o trabalho. Daí a proliferação de pessoas dormindo debaixo de marquises, durante a semana, nos grandes centros urbanos.
Por outro lado, a informação não chega às pessoas de forma completa, sem recortes ou distorções. Por exemplo, você sabia que na América Latina apenas três países (Cuba, Venezuela e Bolívia) conseguiram erradicar o analfabetismo? O acesso ao conhecimento, mesmo o simples saber ler, é indispensável para se exercer a liberdade.
O direito à informação não é tão amplo, como garante a Constituição (art. 5º, XIV), uma vez que os veículos de comunicação censuram a notícia, restringem o seu conteúdo, deixando de levar ao conhecimento do povo fatos importantes relacionados ao seu próprio destino.
Como se falar, então, em liberdade, numa sociedade onde a maioria tem suas necessidades de alimentação, abrigo e educação supridas com precariedade?
Nessas condições, como se esperar a paz? Se a liberdade não existe, muito menos se pode exigir que a sua irmã esteja presente. Assim, fica desolada a mãe-justiça.
Para promover a paz, é preciso antes assegurar liberdade em plenitude, garantindo aos homens os itens necessários a uma vida digna, o que é possível no Brasil, diante da imensa riqueza (natural e cultural), bastando vontade política. Feito isso, não há dúvida de que a paz reinará.
Portanto, sem liberdade e paz não haverá justiça entre os homens, por mais boa vontade que alguns possam ter.
Nos dias atuais, não podemos ficar em função do que ocorre na Europa e na América do Norte. Temos que intensificar o conhecimento do que ocorre ao nosso redor, na América Latina, e promover uma ampla integração.
Não é na velha Europa nem na América imperialista que o novo ocorrerá. Nestes locais, o sistema está desgastado, como comprovam os acontecimentos recentes, com as fraudes financeiras e a exigência de capitalização dos gestores do sistema com o dinheiro público.
Se algo novo está acontecendo no mundo, ocorre aqui ao nosso lado. Os povos do sul da América têm se levantado contra anos de exploração, que só conduziram à pobreza e à marginalização da nossa gente, apesar da grande mídia tentar distorcer a verdade dos acontecimentos, criando mitos de ditaduras.
Mas será que as supostas ditaduras apontadas pelos meios de comunicação são tão duras quanto as que maltrataram, ceifaram a vida de jovens e ampliaram a desigualdade social?
Se deixarmos de lado os preconceitos, veremos que são governos respaldados pela vontade popular, integrados por pessoas que representam suas origens históricas e que estão lutando por sua soberania e autodeterminação.
Isto incomoda muita gente, habituada à discriminação, à indiferença e ao medo. Esta fórmula conduz ao desamor, à ausência de compaixão e de dignidade humana.
Os recentes governos populares eleitos na América Latina têm a missão de manter acesa a chama da esperança e da transformação. A mudança não acontecerá da noite para o dia, pois, como todo processo, requer tempo. Porém é necessário que tenha o seu início agora, em respeito aos nossos antepassados e às gerações futuras. Todos nós que sofremos estas agruras temos o dever de não deixá-las se perpetuarem.
Não podemos mais aceitar tanta pobreza numa terra tão rica, porém onde a riqueza não é compartilhada pela maioria. Somente uma mudança social profunda e verdadeira poderá trazer a liberdade e fazer prevalecer a paz e a justiça, de fato e de direito.
É preciso cessar a expropriação de nossas matérias-primas, que teve início na colonização e continua com a transferência, a preços risíveis, de bens da América Latina para outros continentes. Os frutos da terra devem ser revertidos em favor da população local, para que esta finalmente tenha acesso a uma sobrevivência digna. Senão, continuaremos todos a reclamar da violência e da ausência de paz.
Neste ponto, é grande a importância do direito e da jurisprudência, que podem apontar um caminho novo e participativo.
Os manuais de filosofia e de sociologia jurídica, sem exceção, afirmam que o direito é mero instrumento de manutenção da ordem social. É verdade, sim. Ninguém em sã consciência poderia afirmar outra coisa.
Mas os acadêmicos e os profissionais do direito necessitam despertar a consciência coletiva para um diferente enfoque na interpretação da legislação, a fim de que a justiça possa reinar.
A face negativa da execução da lei é representada pelo direito punitivo e o previdenciário, que atingem diretamente os mais pobres.
Hoje, o atual governo, por meio de uma reforma tributária, almeja revogar a contribuição social, prevista na Constituição de 1988 para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social), sob o argumento de reduzir a folha de pagamento das empresas, criando, assim, um novo imposto que, se aprovado, será prejudicial ao setor produtivo e aos trabalhadores, pois aumentará a carga tributária e restringirá direitos sociais.
Se a saúde já é precária, a assistência social não protege o necessitado e a previdência paga o mísero salário mínimo, como ficará nossa gente?
Porém, se o direito é instrumento de controle social, como dizem os filósofos e sociólogos, acredito que poderia contribuir com o processo de mudança social.
Para isto, a jurisprudência é fundamental. O papel dos advogados é importante ao levarem as pretensões e reclamações aos Tribunais, fazendo com que os juízes se abram para ouvir a voz do povo. Não dá para ficar recolhido em “Palácios da Justiça”. É necessário estar próximo e caminhar junto à população, a quem os magistrados, sem exceção, devem bem servir.
Muito mais coisas podem e devem ser modificadas na atuação dos profissionais do direito. Há quem pense que é pedir muito, mas acredito, desta forma, que é possível transformar o país num Brasil para os brasileiros, onde a liberdade, a paz e a justiça existam em plenitude.
II
EFETIVIDADE DE JUSTIÇA
É comum ao cidadão o conhecimento de processos judiciais que duram mais de 10, 20 e até 30 anos. Esta grave situação é prejudicial para todos. As pessoas deixam de postular seus direitos, pois sabem que a justiça é muito lenta. Os advogados são prejudicados porque seus possíveis clientes desistem de contratá-los, tendo em vista a demora da prestação jurisdicional, aceitando muitas vezes um acordo por valor inferior, haja vista o tempo de resposta para a satisfação do seu direito.
Não resta dúvida de que a lentidão do Judiciário conduz à ausência de justiça. Essa apatia não deveria mais existir diante da Emenda Constitucional nº 45/2004, uma vez que os processos deveriam ter “razoável duração” e “celeridade em sua tramitação” (art. 5º., LXXVIII, da Constituição). Foi ordenado que “não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal” (art. 93, II, “e”).
O Código de Processo Civil prevê que o juiz proferirá despachos de expediente em 2 dias e decisões e sentenças em 10 dias (artigos 189, 281 e 456). Na prática, isto não é observado. Os juízes dizem que há acúmulo de trabalho e, assim, justificam o não cumprimento da lei e da Constituição. Mas há muitos magistrados que são professores. Será que estes cumprem os prazos determinados na lei?
O advogado que não observa os prazos processuais e causa prejuízos aos seus clientes é passível de punição disciplinar e reparatória de dano. E os magistrados que não cumprem a lei, em qualquer instância, também deveriam ser punidos, não apenas respondendo por perdas e danos, conforme prevê o artigo 133 do Código de Processo Civil, mas com o afastamento do cargo, na medida em que é dever da própria instituição exigir “eficiência”, princípio que também deve ser observado pelo Judiciário (art. 37 da Constituição).
Com a decantada “Reforma do Judiciário”, esperava-se que a Justiça fosse funcionar de forma ininterrupta (art. 93, XII da Constituição), sem recessos natalinos que duram mais de duas semanas. Acreditava-se ainda que os juízes passariam a ter 30 dias de férias como os demais trabalhadores, ao invés de 60 dias, e que, pelo acúmulo de trabalho existente e a necessidade de se promover a celeridade para a conclusão dos processos, como determina a Constituição, os magistrados passariam a ter a consciência de se dedicar exclusivamente às suas atividades, deixando de lado a possibilidade de acumularem a carreira de magistério, que estão autorizados a exercer (art. 95, § único, I, da Constituição).
O magistério é carreira nobre, mas que exige dedicação do profissional. Além das atividades de sala de aula, é necessário preparar planos de trabalho, participar de projetos de pesquisa e extensão, orientar os alunos, ler os seus trabalhos, corrigir as provas etc.
Quem não conhece um magistrado que seja professor? Por exemplo, o atual presidente do STF, conforme curriculum exibido na página do Tribunal, é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade de Brasília desde junho de 1995.
Será que dá para desempenhar as duas carreiras com prontidão e dedicação, mesmo a Constituição autorizando a acumulação desses cargos? Confesso que tenho dúvidas, mas talvez seja possível para alguns muito bem preparados. Mas para isto, o magistrado deverá observar fielmente os prazos que a lei impõe para o exercício de suas funções.
Vale lembrar que a atividade jurisdicional é um serviço prestado pelo Poder Público que cobra altíssima taxa da população, devendo, portanto, corresponder à altura dos que a mantêm.
Então, como se falar em democracia, com uma Justiça que persiste em ser lenta? Sem efetividade da justiça, não pode haver liberdade e paz.
Jorge Rubem Folena de Oliveira
Membro da Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado, do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Federação Interamericana de Advogados e da Sociedade Brasileira de Geografia.
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