domingo, 12 de agosto de 2012

INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DO LAUDÊMIO DOS TERRENOS DE MARINHA


LUANA FREITAS DA ROSA, advogada graduada na Universidade da Região de  Joinville - UNIVILLE.
E-mail: luh_fr@hotmail.com
RESUMO
Estudo acerca do cabimento da cobrança do Laudêmio e renda anual, chamada de
foro, cânon ou pensão, no valor de 0,6% do valor do domínio pleno do imóvel pela
União, nos terrenos considerados de marinha. O presente artigo pretende desenvolver
reflexão acerca do tema, incitando a revisão de conceitos justificadores da sua
admissibilidade frente ao ordenamento jurídico pátrio atual. O artigo está dividido em
quatro seções. Na primeira seção faz uma breve explanação do que são os terrenos de
marinha. A segunda parte trata dos institutos da enfiteuse ou aforamento, institutos estes
em que são previstos a cobrança do Laudêmio e da renda anual. O terceiro capítulo trata
sobre a exigência da cobrança do laudêmio pela União e por fim o quarto capítulo que
se refere a ilegalidade dessas cobranças.

Palavras chaves:
terreno de marinha, enfiteuse ou aforamento, laudêmio, ilegalidade.
SUMÁRIO

Introdução - 1. terrenos de marinha
- 2. Enfiteuse ou aforamento – 3. Laudêmio - 4.
Ilegalidade do laudêmio nos terrenos de marinha 5 – Considerações Finais - Referências
bibliográficas

Introdução:

Os terrenos de marinhas são aqueles situados a 33 metros, medidos horizontalmente,
para a parte da terra, da posição da linha da preamar-médio de 1831. Esses terrenos são
considerados bens dominicais e são utilizados por particulares para fins civis e têm
como objetivo a defesa nacional.
Para ocupação desses imóveis por particulares é cobrado, pela União, a título de
obrigação pecuniaria, o l ludêmio, e uma renda anual, chamada de
foro, cânon ou pensão.
 
A cobrança dessas obrigações só é prevista no instituto de Direito Civil chamado
enfiteuse ou aforamento.
A discussão proposta por esse estudo visa ressaltar a exigibilidade dessas obrigações,
pois o instituto da enfiteuse ou aforamento trata da permissão dada ao proprietário de
entregar a outrem todos os direitos, ou seja, o domínio útil do imóvel, que não é o caso
dos terrenos de marinha.

1. Terrenos de Marinha:

Os terrenos de Marinha são terrenos de domínio da União, previsto na Constituição
de 1988, em seu artigo 20, VII, que recepcionou o Decreto-Lei nº 9.760/46, e se
constituem bens públicos dominicais:

"Art. 20. São bens da União: VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos
1”;

O diploma legal de 1946, determina que, quando certos os interessados no
procedimento demarcatório de terras de marinha, na delimitação da Linha Preamar
Média de 1831, em seu artigo 2º:
“Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros,
medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamarmédio
de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos
rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as
ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das mares”
Esses terrenos considerados da marinha têm como objetivo, “unicamente, a fins de
defesa nacional, sem restringir a competência estadual e municipal no ordenamento
territorial e urbanístico dos terrenos de marinha, quando utilizados por particulares para
fins civis
2”.
Para ocupação desses imóveis por particulares é cobrado, pela União, a título de
obrigação pecuniária, o laudêmio, que possui fato gerador as transações onerosas,
compra e venda, dação em pagamento, permuta, etc; e uma renda anual, chamada de

foro, cânon
ou pensão, no valor de 0,6% do valor do domínio pleno do imóvel.
2. Enfiteuse ou aforamento

1
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal, 1988.

2
MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1999, p. 491

A enfiteuse ou aforamento é instituto do Direito Civil e consiste na permissão dada
ao proprietário de entregar a outrem todos os direitos, ou seja, o domínio útil do imóvel,
de tal forma que o terceiro que recebeu (enfiteuta) passe mediante pagamento de uma
pensão ou foro ao senhorio. Assim, pela enfiteuse o foreiro ou enfiteuta tem sobre a
coisa alheia o direito de posse, uso, gozo perpétuos e inclusive poderá alienar ou
transmitir por herança.
Segundo Meirelles: “aforamento ou enfiteuse é o direito real de posse, uso e gozo
pleno da coisa alheia que o titular (foreiro ou enfiteuta) pode alienar e transmitir
hereditariamente, porém com obrigação de pagar perpetuamente uma pensão anual
(foro) ao senhorio direto
3”.
Para o foreiro são impostas obrigações, como pagar o laudêmio, que paga ao
senhorio direto quando ele renuncia reaver esse domínio útil; e um domínio de renda
anual, chamada foro, cânon ou pensão, Assim descreve a professora Yoshikawa:
“Ao foreiro são impostas duas obrigações, uma está no dever de pagar ao senhorio
uma prestação anual, certa e invariável denominada
foro, canon ou pensão; e a
segunda obrigação está em dar ao proprietário o direito de preferência, toda vez que
for alienar a enfiteuse. Se o senhorio não exercer a preferência terá direito ao
laudêmio, ou seja, uma porcentagem sobre o negócio realizado, a qual poderá ser no
mínimo de 2,5% sobre o valor da transação ou chegar até 100%
4”.
Sobre essas obrigações também leciona Celso Antônio Bandeira de Melo:
“O proprietário da coisa denomina-se senhorio e seu domínio é chamado direto. O
beneficiário do direito real denomina-se foreiro ou enfiteuta e seus direitos sobre as
coisas são designados como domínio útil. A renda que anualmente pagará ao
senhorio chama-se
foro, cânon ou pensão, e corresponde a 0,6% do valor do
domínio pleno do imóvel; se por três nos consecutivos ou quatro intercalados deixar
de pagá-la sofre o comisso, isto é, a perda do aforamento, consolidando-se o
domínio pleno em favor do proprietário
5”.
Ressalte-se que o Novo Código Civil proibiu a constituição de enfiteuses e
subenfiteuses, não só sua cobrança, como força a extinção do instituto, nos termos do
dispositivo abaixo:

3
MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1999, p. 471

4
YOSHIKAWA, Daniella Parra Pedroso Yoshikawa, O que se entende por enfiteuse?. Disponível em :
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090123124459587. Acesso em: 14/05/2009.

5
Melo, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, 11 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1998, p. 628

“Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil
anterior, Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores. § 1º Nos
aforamentos a que se refere este artigo é defeso: I - cobrar laudêmio ou prestação
análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou
plantações
6”;

Assim, o CC/2002 não extinguiu as enfiteuses existentes, mas impossibilitou a
instituição de novas.
No entanto, o dispositivo acima referido não se aplica às enfiteuses de terras públicas
e de terrenos de marinha, que nos termos do parágrafo 2º do artigo 2.038 são regidas por
lei especial. Portanto, sob as regras do Decreto Lei 9.760/46, o Poder Público continua
podendo instituir enfiteuses de terras públicas e neste caso a prestação anual será de
0,6% sobre o valor atual do bem e Lei 9.636/98.

3. Laudêmio

Meirelles descreve laudêmio como:
“Importância que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto quando ele,
senhorio, renuncia seu direito de reaver esse domínio útil, nas mesmas condições em
que terceiro o adquire. Sempre que houver pretendente à aquisição do domínio útil,
o foreiro é obrigado a comunicar a existência desse pretendente e as condições de
alienação, para que o senhorio direto – no caso, o Estado – exerça seu direito de
opção dentro de trinta dias, ou renuncie a ele, condenando com a transferência a
outrem, caso em que terá direito ao laudêmio (CC, art. 683) na base legal ou
contratual (CC, art 686)”
7
No entanto, ressalta-se que o laudêmio é instituto próprio da enfiteuse ou aforamento
(art. 2.038 do Código Civil), a qual não se confunde com a ocupação.
Em relação à exigibilidade do laudêmio, observa-se que o imóvel está sujeito ao
regime de ocupação.
O Decreto-Lei nº 2.398, de 21.12.87, em seu artigo 3º, estabelece:
“Dependerá do prévio recolhimento de Laudêmio, em quantia correspondente a 5%
(cinco por cento), do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a
transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de

6
BRASIL Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal.
sítio eletrônico internet - planalto.gov.br

7
MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1999, p. 471

direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direitos a eles
relativos”.
Como visto, o laudêmio incide somente na hipótese de transferência onerosa do
domínio útil, situação afeta ao aforamento, pois formalmente existe o registro no SPU
de ocupação.
Entende-se, por domínio útil, a posse, uso, gozo e disposição do bem imóvel,
características do aforamento.
Orlando Gomes define a enfiteuse (aforamento) “como o direito real sobre as coisas
alheias que confere a alguém, perpetuamente, os poderes inerentes ao domínio, com
obrigação de pagar ao dono da coisa renda anual e a de conservar-lhe a substancia
8”.
Em outras palavras, é o direito real alienável sobre coisa alheia, em que o foreiro
detém o domínio útil do imóvel, e a conferência deve ser perpétua.
Desse modo, não se pode confundir o instituto da enfiteuse ou aforamento com a
simples ocupação de terreno da marinha, que é posse
não ad usucapionem, que pode ser
retomada a qualquer tempo pelo titular direto.

4. Da ilegalidade da cobrança do Laudêmio

Como já analisado, a simples ocupação dos terrenos de marinha não pode ser
confundida com a enfiteuse ou aforamento, pois a utilização desses imóveis não é
perpétua, podendo ser retomados a qualquer tempo pelo titular direto. Por outro lado, na
cessão de utilização do bem público não há direito de opção e preferência do
proprietário enfiteuta para retomada do domínio útil do imóvel.
Ressalte-se, ainda, que somente em casos de enfiteuse ou aforamento é permitido a
cobrança das taxas de laudêmio e renda anual, chamada de
foro, cânon ou pensão, no
valor de 0,6% do valor do domínio pleno do imóvel. Não é o caso dos terrenos de
marinha, que se trata de mera ocupação.

8
GOMES, Orlando. Direitos Reais, ed. Forense, 1958, p 397 apud Melo, Celso Antônio Bandeira de
Mello.
Curso de Direito Administrativo, 11 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p 627.
A Quarta Turma do TRF da 4º Região já se manifestou sobre a ilegalidade da
cobrança do laudêmio. Nesse sentido, segue abaixo voto proferido pela
Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler (AC n.º0000044-28.2010-
404.7208/SC), que esclarece a questão:
"
A cobrança de laudêmio somente se afigura legítima nos casos de aforamento, por
ocasião da transferência do domínio útil. A situação dos autos possui natureza
jurídica diversa, qual seja, a ocupação de terras de marinha. E, nesses casos,
revela-se descabida a cobrança do laudêmio. É que laudêmio é instituto próprio da
enfiteuse ou aforamento (art. 2.038 do Código Civil), a qual não se confunde com a
ocupação
. Ao contrário da enfiteuse, que é direito real alienável sobre coisa alheia,
em que o foreiro detém o domínio útil do imóvel, a simples ocupação de terreno da
marinha é posse não ad usucapionem, que pode ser retomada a qualquer tempo pelo
titular direto.
O Decreto-Lei nº 2.398/87, que trata sobre a cobrança de laudêmio em tais
transferências de imóveis, em seu art. 3º assim dispõe: Dependerá do prévio
recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do
valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre
vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles
construídas, bem assim, a cessão de direito a eles relativos.
Assim, verifica-se que a cobrança laudêmio está vinculada apenas aos imóveis
sujeitos ao regime de aforamento. Sobre a questão, transcrevo precedentes desta
Turma: DIREITO ADMINISTRATIVO. TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL DA
UNIÃO OCUPADO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. INEXIGIBILIDADE.

É inexigível a cobrança de laudêmio a propósito da transferência onerosa entre
vivos de direitos sobre benfeitorias construídas sobre terrenos da União diante de
simples hipótese de ocupação
. (APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº
2009.72.08.001465-1/SC, RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH
TESSLER, D.E. 01/12/2009) ADMINISTRATIVO. TERRENO DA UNIÃO.
COBRANÇA DE LAUDÊMIO. REGIME DE OCUPAÇÃO. INEXIGIBILIDADE.
O Decreto-Lei 2.398/87, por seu art. 9º, revogou expressamente o art. 130 do
Decreto-Lei 9.760/46, que dava ensejo à cobrança do laudêmio para os imóveis nãoforeiros,
submetidos ao regime de mera ocupação
9".
Ainda:
“ADMINISTRATIVO. LAUDÊMIO SOBRE TRANSFERÊNCIA ONEROSA DE
APARTAMENTO CONSTRUÍDO SOBRE TERRENO DE MARINHA
OCUPADO. INVALIDADE. INEXISTÊNCIA DE AFORAMENTO. Nos termos
do art. 686 do Código Civil,
o laudêmio é instituto jurídico afeito à enfiteuse ou
aforamento, sendo descabida, portanto, sua cobrança sobre a transferência de
apartamento construído sobre terreno de marinha, apenas ocupado pelo alienante,
haja vista não haver transferência de domínio útil
10”.

9
TRF4, AC 2006.72.08.005281-0, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 16/06/2008)”.
10
TRF-4ª Região, Apelação Cível nº 2000.04.01.134360-6/SC, Relator Juiz Federal Francisco Donizete
Gomes, Terceira Turma, DJU de 02/07/2003

“ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO SOBRE A
TRANSFERÊNCIA ONEROSA DE TERRENO DE MARINHA OCUPADO.
IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE AFORAMENTO. MATÉRIA
SUJEITA À RESERVA LEGAL.
1.
Não incide o laudêmio nas transferências a título oneroso, de imóveis não
aforados, caracterizados como terrenos de marinha.
O Decreto-lei 2.398/87, ao
dispor integralmente sobre a matéria, revogou de forma implícita o Decreto 14.595,
de 1920, que previa a cobrança do foro sobre terrenos meramente ocupados. A
exigência, atualmente, pressupõe a existência de enfiteuse, pois estabelece a
incidência na hipótese de transferência de domínio útil. Este, por ser atributo
jurídico, não surge com a mera ocupação, especialmente de terrenos de propriedade
do Estado. 2. Na hipótese, ademais, já houve o pagamento do laudêmio quando da
transferência dos terrenos, que foram trocados por área construída, não se podendo
cogitar de dupla incidência, especialmente na hipótese de permuta, que restou
configurada. 3. Apelação provida
11”.
Em recente decisão de 15 de junho de 2010, a Segunda Turma do STJ, sob o relatório
da Exma. Ministra Eliana Calmon, em sede de Recurso Especial nº 1.190.970 - SC
(2010/0073560-8), julgou a inexigibilidade da cobrança de laudêmio em transferência
onerosa entre vivos sobre imóveis da União. Em razões, afirma não configurar
incidência de laudêmio nas negociações quando envolvidos imóveis da União. As
concessões e permissões de uso dos imóveis da União não se constituem Enfiteuse, por
ser mera tolerância da União.
Entendem os Tribunais que na modalidade de cessão de utilização do bem público
não há direito de opção e preferência do proprietário enfiteuta para retomada do
domínio útil do imóvel. Assim, não admite a cobrança de laudêmio na transferência do
direito de ocupação de terreno de marinha. A propósito:
“ADMINISTRATIVO – LAUDÊMIO – MERA TOLERÂNCIA – OCUPAÇÃO
DE TERRENO DE MARINHA – INEXISTÊNCIA DE DESDOBRAMENTO DA
POSSE, DE CONTRATO OU DE TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL A
TÍTULO ONEROSO – NÃO-CONFIGURAÇÃO DO LAUDÊMIO –
IMPOSSIBILIDADE DE COBRÁ-LO.
1. O laudêmio era instituto do Direito Civil consistente em uma compensação
financeira que a lei permite, caso contratado, para o possuidor direto exigir, sempre
que optar por não exercer o direito potestativo de opção e preferência em caso de
alienação pelo proprietário-enfiteuta, do domínio útil do imóvel aforado. 2
. No caso
dos autos, incabível a cobrança de laudêmio, por estar diante de situação jurídica
diversa das hipóteses legais, uma vez que impossível falar-se em laudêmio quando
existe ocupação de terrenos de marinha,
por mera tolerância da União. Ainda assim,
o laudêmio não pode ser cobrado quando não existe transferência a título oneroso. 3.
Assim, não se há falar sequer em posse direta, mas em mera tolerância para o uso do

11
TRF-4ª Região, Apelação Cível nº 2000.04.01.073095-3/PR, Relatoras Juíza Federal Taís Schilling
Ferraz, Terceira Turma, DJU de 25/04/2002

bem público. Se não existe prévia alienação do domínio útil, ou seja, prévio
desdobramento da posse, impossível pretender ver aí a instituição de laudêmio.
Agravo regimental improvido
12”.
DIREITO ADMINISTRATIVO. TRANSFERÊNCIA DE TERRENO DA
UNIÃO OCUPADO. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. INEXIGIBILIDADE.
É
inexigível a cobrança de laudêmio a propósito da transferência onerosa entre vivos
de direitos sobre benfeitorias construídas sobre terrenos da União diante de simples
hipótese de ocupação.

Nota-se, assim, que as cobranças dos laudêmios no valor de 5% nas transações feitas
e a renda anual, chamada de
foro, cânon ou pensão, no valor de 0,6% do valor do
domínio pleno do imóvel, são consideradas institutos da enfiteuse ou aforamento, o que
não é o caso dos terrenos de marinha, pois são bens públicos dominicais, próprios da
União, podendo ser retomados a qualquer tempo pelo titular direto.

5. Considerações Finais:

Todos os terrenos com uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831,
os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde
se faça sentir a influência das marés; e os que contornam as ilhas situadas em zona onde
se faça sentir a influência das mares são considerados terras da marinha, ou seja, bens
da União, por força da Constituição Federal artigo 20, VII e Decreto Lei 9760/46.
Esses terrenos têm como objetivo a defesa nacional e são utilizados por particulares
para fins civis, ou seja, são considerados bens dominicais.
Ao longo dos anos, a União vem cobrando dos particulares que detêm a posse desses
terrenos a título de obrigação pecuniária: o laudêmio e o chamado foro, cânon ou
pensão.
Tanto o laudêmio como o foro são institutos da enfiteuse ou aforamento, o qual
confere necessariamente direitos reais sobre coisa alheia perpetuamente, os poderes
inerentes ao domínio com obrigação de pagar ao dono da coisa renda anual e a
conservação da substância no importe de 0,6% do valor atual do bem e o laudêmio
correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das

12
AgRg no REsp 926.956/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
3/12/2009, DJe de 17/12/2009

benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou
de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem como a cessão de direitos a eles
relativos (Decreto-Lei nº 2.398, de 21.12.87, em seu artigo 3º). Não é o caso dos
terrenos de marinha.
A Quarta Turma do TRF da 4º Região já se manifestou sobre a ilegalidade da
cobrança do laudêmio em caso de terrenos de marinha. Em recente decisão de 15 de
junho de 2010, a Segunda Turma do STJ, sob o relatório da Exma. Ministra Eliana
Calmon em sede de Recurso Especial Nº 1.190.970 - SC (2010/0073560-8), julgou a
inexigibilidade da cobrança de laudêmio em transferência onerosa entre vivos sobre
imóveis da União.
Em razões, afirma não configurar incidência de laudêmio nas negociações quando
envolvidos imóveis da União. As concessões e permissões de uso dos imóveis da União
não se constituem Enfiteuse, por ser mera tolerância da União, podendo ser retomado a
qualquer tempo pelo titular direto, bem como a cessão de utilização do bem público não
há direito de opção e preferência do proprietário enfiteuta para retomada do domínio útil
do imóvel.
Assim, as cobranças dos laudêmios no valor de 5% nas transações feitas e a renda
anual, chamada de
foro, cânon ou pensão, no valor de 0,6% do valor do domínio pleno
do imóvel são consideradas institutos da enfiteuse ou aforamento o que não é o caso dos
terrenos de marinha, ou seja, essas cobranças feitas pela União são inexigíveis.

Referências Bibliográficas:

AgRg no REsp 926.956/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 3/12/2009, DJe de 17/12/2009
BRASIL Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro.
Legislação Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 04 jul 2011.
BRASIL. Constituição (1988).
Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de set de 1946
.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del9760compilado.htm. Acesso em
04 de jul de 2011.
BRASIL. LEI N
o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Novo Código Civil.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em
05 de jul de 2011.
Acesso em 04 de jul de 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles.
Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 1999.
Melo, Celso Antônio Bandeira de Mello.
Curso de Direito Administrativo, 11 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 1998.
YOSHIKAWA, Daniella Parra Pedroso Yoshikawa, O
que se entende por enfiteuse?.
Disponível em :
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090123124459587. Acesso
em: 05 de jull de 2011.
BRASIL. Lei 9.636/98, de 15 de maio de 1998, Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm.
Acesso em 04 de jul de 2011.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/1965-1988/Del2398.htm JOSÉ
SARNEY
Mailson Ferreira da Nóbrega. Acesso 04 de jul de 2011
TRF4, AC 2006.72.08.005281-0, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E.
16/06/2008)”.
TRF-4ª Região, Apelação Cível nº 2000.04.01.134360-6/SC, Relator Juiz Federal
Francisco Donizete Gomes, Terceira Turma, DJU de 02/07/2003.
TRF-4ª Região, Apelação Cível nº 2000.04.01.073095-3/PR, Relatoras Juíza Federal
Taís Schilling Ferraz, Terceira Turma, DJU de 25/04/2002.

domingo, 15 de julho de 2012

Decreto Presidencial que regula o atendimento ao consumidor via "Call Center"

Legislação Federal – Consumidor – Decreto 6523, de 31.07.08- Regulamenta a lei 8078, de 11.09.90 – Ver tb. Portaria MJ 2014, de 13.10.08


Regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990,
DECRETA:
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e fixa normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC por telefone, no âmbito dos fornecedores de serviços regulados pelo Poder Público federal, com vistas à observância dos direitos básicos do consumidor de obter informação adequada e clara sobre os serviços que contratar e de manter-se protegido contra práticas abusivas ou ilegais impostas no fornecimento desses serviços.
CAPÍTULO I
DO ÂMBITO DA APLICAÇÃO
Art. 2o Para os fins deste Decreto, compreende-se por SAC o serviço de atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados que tenham como finalidade resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços.
Parágrafo único. Excluem-se do âmbito de aplicação deste Decreto a oferta e a contratação de produtos e serviços realizadas por telefone.
CAPÍTULO II
DA ACESSIBILIDADE DO SERVIÇO
Art. 3o As ligações para o SAC serão gratuitas e o atendimento das solicitações e demandas previsto neste Decreto não deverá resultar em qualquer ônus para o consumidor.
Art. 4o O SAC garantirá ao consumidor, no primeiro menu eletrônico, as opções de contato com o atendente, de reclamação e de cancelamento de contratos e serviços.
§ 1o A opção de contatar o atendimento pessoal constará de todas as subdivisões do menu eletrônico.
§ 2o O consumidor não terá a sua ligação finalizada pelo fornecedor antes da conclusão do atendimento.
§ 3o O acesso inicial ao atendente não será condicionado ao prévio fornecimento de dados pelo consumidor.
§ 4o Regulamentação específica tratará do tempo máximo necessário para o contato direto com o atendente, quando essa opção for selecionada.
Art. 5o O SAC estará disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, ressalvado o disposto em normas específicas.
Art. 6o O acesso das pessoas com deficiência auditiva ou de fala será garantido pelo SAC, em caráter preferencial, facultado à empresa atribuir número telefônico específico para este fim.
Art. 7o O número do SAC constará de forma clara e objetiva em todos os documentos e materiais impressos entregues ao consumidor no momento da contratação do serviço e durante o seu fornecimento, bem como na página eletrônica da empresa na INTERNET.
Parágrafo único. No caso de empresa ou grupo empresarial que oferte serviços conjuntamente, será garantido ao consumidor o acesso, ainda que por meio de diversos números de telefone, a canal único que possibilite o atendimento de demanda relativa a qualquer um dos serviços oferecidos.
CAPÍTULO III
DA QUALIDADE DO ATENDIMENTO
Art. 8o O SAC obedecerá aos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade.
Art. 9o O atendente, para exercer suas funções no SAC, deve ser capacitado com as habilidades técnicas e procedimentais necessárias para realizar o adequado atendimento ao consumidor, em linguagem clara.
Art. 10. Ressalvados os casos de reclamação e de cancelamento de serviços, o SAC garantirá a transferência imediata ao setor competente para atendimento definitivo da demanda, caso o primeiro atendente não tenha essa atribuição.
§ 1o A transferência dessa ligação será efetivada em até sessenta segundos.
§ 2o Nos casos de reclamação e cancelamento de serviço, não será admitida a transferência da ligação, devendo todos os atendentes possuir atribuições para executar essas funções.
§ 3o O sistema informatizado garantirá ao atendente o acesso ao histórico de demandas do consumidor.
Art. 11. Os dados pessoais do consumidor serão preservados, mantidos em sigilo e utilizados exclusivamente para os fins do atendimento.
Art. 12. É vedado solicitar a repetição da demanda do consumidor após seu registro pelo primeiro atendente.
Art. 13. O sistema informatizado deve ser programado tecnicamente de modo a garantir a agilidade, a segurança das informações e o respeito ao consumidor.
Art. 14. É vedada a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, salvo se houver prévio consentimento do consumidor.
CAPÍTULO IV
DO ACOMPANHAMENTO DE DEMANDAS
Art. 15. Será permitido o acompanhamento pelo consumidor de todas as suas demandas por meio de registro numérico, que lhe será informado no início do atendimento.
§ 1o Para fins do disposto no caput, será utilizada seqüência numérica única para identificar todos os atendimentos.
§ 2o O registro numérico, com data, hora e objeto da demanda, será informado ao consumidor e, se por este solicitado, enviado por correspondência ou por meio eletrônico, a critério do consumidor.
§ 3o É obrigatória a manutenção da gravação das chamadas efetuadas para o SAC, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual o consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo.
§ 4o O registro eletrônico do atendimento será mantido à disposição do consumidor e do órgão ou entidade fiscalizadora por um período mínimo de dois anos após a solução da demanda.
Art. 16. O consumidor terá direito de acesso ao conteúdo do histórico de suas demandas, que lhe será enviado, quando solicitado, no prazo máximo de setenta e duas horas, por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério.
CAPÍTULO V
DO PROCEDIMENTO PARA A RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
Art. 17. As informações solicitadas pelo consumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro.
§ 1o O consumidor será informado sobre a resolução de sua demanda e, sempre que solicitar, ser-lhe-á enviada a comprovação pertinente por correspondência ou por meio eletrônico, a seu critério.
§ 2o A resposta do fornecedor será clara e objetiva e deverá abordar todos os pontos da demanda do consumidor.
§ 3o Quando a demanda versar sobre serviço não solicitado ou cobrança indevida, a cobrança será suspensa imediatamente, salvo se o fornecedor indicar o instrumento por meio do qual o serviço foi contratado e comprovar que o valor é efetivamente devido.
CAPÍTULO VI
DO PEDIDO DE CANCELAMENTO DO SERVIÇO
Art. 18. O SAC receberá e processará imediatamente o pedido de cancelamento de serviço feito pelo consumidor.
§ 1o O pedido de cancelamento será permitido e assegurado ao consumidor por todos os meios disponíveis para a contratação do serviço.
§ 2o Os efeitos do cancelamento serão imediatos à solicitação do consumidor, ainda que o seu processamento técnico necessite de prazo, e independe de seu adimplemento contratual.
§ 3o O comprovante do pedido de cancelamento será expedido por correspondência ou por meio eletrônico, a critério do consumidor.
CAPÍTULO VII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 19. A inobservância das condutas descritas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei no 8.078, de 1990, sem prejuízo das constantes dos regulamentos específicos dos órgãos e entidades reguladoras.
Art. 20. Os órgãos competentes, quando necessário, expedirão normas complementares e específicas para execução do disposto neste Decreto.
Art. 21. Os direitos previstos neste Decreto não excluem outros, decorrentes de regulamentações expedidas pelos órgãos e entidades reguladores, desde que mais benéficos para o consumidor.
Art. 22. Este Decreto entra em vigor em 1o de dezembro de 2008.
Brasília, 31 de julho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVATarso Genro

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Decisão da 6ª Turma do TRF da 2ª Região sobre laudêmio da Igreja da Barra

RELATOR
:
DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME COUTO DE CASTRO
APELANTE
:
ORDEM DOS MINIMOS DE SAO FRANCISCO DE PAULA
ADVOGADO
:
ALEXANDRE SIGMARINGA SEIXAS E OUTROS
APELANTE
:
UNIAO FEDERAL
APELADO
:
OS MESMOS
REMETENTE
:
JUIZO FEDERAL DA 26A VARA-RJ
ORIGEM
:
VIGÉSIMA SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200951010061266)



RELATÓRIO

Cuida-se de remessa e de apelações cíveis ofertadas pela ORDEM DOS MÍNIMOS DE SÃO FRANCISCO DE PAULA e pela UNIÃO FEDERAL, atacando sentença que julgou procedente, em parte, o pedido. A sentença anulou as cobranças relativas à taxa de ocupação do imóvel indicado na inicial, referentes ao período de 2000 a 2008. Ressaltou-se que a exigência, em tese, poderia ser feita posteriormente, desde que observado o devido processo legal.

Em seu recurso (fls. 608/616), a autora alega que a parte da sentença que permitiu à União, observado o devido processo legal, realizar futuras cobranças é condicional e extra petita (art. 460 do CPC); que há inequívoca contradição na sentença, pois o mesmo fundamento que respaldou a procedência do pedido de anulação das cobranças efetuadas serviu para subsidiar a improcedência do pleito de abstenção de cobranças futuras; que o novo prazo prescricional previsto na Lei nº 10.852/2004 não pode retroagir para alcançar débitos anteriores; que, portanto, as cobranças efetuadas no período de 2000 a 2004 estão fulminadas pela prescrição; e que os honorários devem ser majorados.

Em seu apelo (fls. 624/632), a União alega, por sua vez, que é a pretensão da Ordem autora que está prescrita; que a autora é parte ilegítima para demandar a UNIÃO, pois só ocupou o imóvel após a demarcação da linha do preamar médio de 1956; que o processo administrativo que enquadrou o imóvel da autora como terreno de marinha observou o devido processo legal; que a autora ocupa terreno de marinha devidamente demarcado e está sujeita ao pagamento da taxa de ocupação prevista em lei (arts. 127 e 128 do DL nº 9.760/46); e que, segundo a jurisprudência, a notificação por edital é razoável e não afronta princípio constitucional.

Em seguida, a União e a autora apresentaram contra-razões (fls. 620/622 e 636/649), defendendo a manutenção da sentença no que lhes foi favorável.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa e dos apelos interpostos (fls. 665/667). É o relatório.

GUILHERME COUTO DE CASTRO

Desembargador Federal - Relator


VOTO


 
A remessa e os apelos não merecem ser providos. A sentença é mantida por seus próprios fundamentos, que passam a integrar o presente voto, evitando-se transcrição, além dos que se lhe acrescem, na forma abaixo.

De início, não há nulidade na sentença, e é inviável que se lhe impute provimento condicional ou extra petita. A autora formulou pedidos escorados em mais de uma causa de pedir e (dentre eles) postulou que a União se abstivesse de realizar novas cobranças de taxa de ocupação concernentes ao seu imóvel; a sentença, ao assinalar que tais cobranças poderiam ser efetuadas mediante o devido processo legal, julgou improcedente esse pedido. Ou seja, o provimento de 1º grau se ateve aos limites da lide e não foi imposta qualquer condição para que surtisse seus regulares efeitos.

É sabido que a cumulação de ações pode ocorrer de vários modos e, no caso dos autos, há cúmulo de ações por pedidos (cf. fls. 27) e cúmulo de ações por causas de pedir. De outro lado, não há contradição quando os mesmos fundamentos, de forma coerente e lógica, respaldam provimentos relativos a pedidos diversos. A idéia externada na sentença é clara e correta: como não foi observado o devido processo legal para a caracterização do imóvel da autora como terreno de marinha, as cobranças de taxa de ocupação até então efetuadas são nulas. Mas como a União pode e deve demarcar seus imóveis (com efeitos declaratórios e ex tunc), ao fazê-lo regularmente, em tese novas cobranças poderão ser efetuadas. Aí, então, está rejeitado o pleito relativo à impossibilidade de futuras cobranças.

E até mesmo (aproveitando o ensejo), com relação ao mesmo período apontado na inicial (2000 a 2008), não há prova nos autos de que os débitos anteriores a 2004 estão prescritos. A antiga redação do art. 47 da Lei nº 9.636/98, aplicável à época, estipulava o prazo decadencial de cinco anos para a União apurar e prescricional de cinco anos para exigir créditos derivados de receitas patrimoniais. No entanto, como bem salientado pelo juiz de 1º grau, nada há nos autos que permita aferir o exato momento do lançamento dos débitos, e em tal contexto, nem a decadência, nem a prescrição podem ser averiguadas. É claro que, após o devido processo legal, se caracterizado que o imóvel é público e for cobrada a taxa de ocupação, a defesa poderá argüir a prescrição ou a decadência, já que a rejeição de um fundamento não produz coisa julgada (art. 469 do CPC).

Em suma, nem grande prejuízo, por ora, tal aspecto cria à autora, que poderá reabri-lo, se for novamente cobrada.

Já a tese da União, de ilegitimidade ativa, também foi refutada corretamente. A autora impugna cobranças que lhe foram endereçadas, e é, portanto, quem possui pertinência subjetiva para figurar na lide. O fato de seu pleito estar respaldado na nulidade de procedimento demarcatório ocorrido antes de seu ingresso no imóvel é indiferente. Com o ato de transmissão da propriedade, a autora adquiriu todos os direitos relativos ao imóvel, inclusive o de impugnar as cobranças sobre o imóvel, que afetam a esfera jurídica da autora.

Também não há que se falar em decadência ou prescrição da pretensão da autora. A autora adquiriu imóvel livre e desembaraçado, segundo a anotação do registro imobiliário (fls. 36). Basta dizer, então, que o pleito reside, no fundo, no reconhecimento do domínio, e somente seria afastável quando já extinto o direito de propriedade adquirido pela autora. Como a propriedade tende a perpetuar-se, apenas a prescrição aquisitiva (usucapião) a impediria de litigar. Mas jamais corre a prescrição extintiva contra o proprietário de imóvel (ainda que aparente) que queira litigar contra a demarcação administrativa de seu imóvel, enquanto não reconhecida a perda da propriedade (art. 1245, § 2º, do Cód. Civil).

A autora é proprietária (pelo menos aparente) e possuidora do imóvel descrito na inicial desde 1962. Adquiriu o imóvel sem quaisquer ônus, inexistente referência de cuidar-se de terreno de marinha, existindo anotação de cadeia dominial regular (fl. 36), é tema incontroverso.

                 Ocorre que, posteriormente, a União realizou procedimento administrativo, através de seu órgão de patrimônio, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760/46, e, aferindo cuidar-se a área constante do título da autora terreno de marinha, internamente demarcou-o assim, pretendendo cobrar, de tal arte, a chamada "taxa de ocupação".

                 O ilustre Juiz de 1º grau apreciou corretamente o tema, não podendo a União, sem retificar ou cancelar o título dominial da parte, há muito existente e embasado em cadeia regular, afirmar ser público o bem, no caso, terreno de marinha (art. 1245, § 2º, do CC).. É bem verdade que, examinando a jurisprudência dos pretórios, o tema tem suscitado dissensão, e há acórdãos exatamente no sentido contrário à tese aqui adotada. Veja-se o decisório seguinte, in verbis:

"ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. AUTOR POSSUI TÍTULO DE PROPRIEDADE.

1.     Observadas as disposições legais no procedimento demarcatório dos terrenos de marinha, na conformidade do aludido Decreto-lei, art. 9º a artigo 14, não há como prosperar a alegação do autor de que o imóvel em questão não pertence ao domínio estatal, em razão da cadeia dominial a ele pertinente (doação do estado do rgs ao município, pela lei estadual nº 1360/50, que, por sua vez, alienou aos autores.).

2.     O domínio da União, no caso em tela, decorre de prescrição legal, não sendo possível opor-lhe a aludida cadeia dominial que se desenvolveu de forma equivocada a partir de transmissão de propriedade plena do imóvel. Uma vez constatado o vício de origem do título de propriedade em questão, torna-se impossível prevalecer a propriedade particular desses imóveis, posto que o Município alienou imóveis que não lhe pertenciam.

3.     No tocante à taxa de ocupação, trata-se de preço público e não tributo, sendo uma contraprestação que o particular deve pagar à União Federal em virtude da utilização de um terreno de marinha, inocorrendo bitributação, pois esta só existe na hipótese de dois tributos com incidência sobre um mesmo fato gerador. (TRF -4 ª Turma - 16-12-1997 - Relator: JUIZ JOSÉ LUIZ BORGES GERMANO DA SILVA).

                  Os argumentos da União são basicamente os transcritos, mas não convencem, data venia.

                 Não que a União Federal não possa demarcar seus terrenos de marinha; ao contrário, pode e deve fazê-lo. Não, também, que alguém possa crer que a mera existência de um título de propriedade registrado induz à indiscutível certeza dominial. E, claro, é certo também que os bens públicos são inusucapíveis. A questão aqui é outra: cuida-se de saber qual é o devido processo (art. 5º, LIV, da Lei Maior) para que um bem, regularmente negociado e no mercado como bem alodial, possa ser considerado terreno de marinha.

No caso, conforme já ressaltado pelo juiz de 1º grau (fls. 595/596), nem o procedimento administrativo previsto nos arts. 9º e seguintes do DL nº 9.760/46 observou os princípios do contraditório e ampla defesa, pois os interessados certos, à época, não foram intimados pessoalmente. Mas o fato é que, mesmo se realizado regularmente, o referido processo administrativo, em interpretação sistemática, não poderia prevalecer, por si, sobre o título registrado, até então regular, de quem de direito. Nas hipóteses nas quais não exista um imóvel, antes havido como alodial e regularmente negociado no mercado, aí sim, é suficiente o procedimento administrativo, tão-só.

                 Nos casos em que exista bem havido regularmente como livre de ônus, assim transcrito, assim há muito negociado, não havendo concordância do proprietário aparente, existe necessidade de uso da via judicial, com retificação do registro imobiliário, para que, finalmente, o terreno seja considerado de marinha. Este é o devido processo legal, para a hipótese, e a lei é clara (artigos 1245, § 2º, do Código Civil e 32 e seguintes do Decreto-lei 9760).


                 Ainda que alguma dúvida pudesse resultar da interpretação do texto legal, e não é o caso, data vênia, bastaria visão sistemática. Para expropriar um bem, por mais forte que seja a razão, a Lei Maior não permite a autotutela (art. 5º, LXXIV), e, no direito privado, desde os tempos romanos, a posse é protegida por si, devendo o proprietário buscar judicialmente seus direitos. Por outro lado, o art. 859 do Código Civil de 1916, incidente à época da propositura da demanda, comanda a presunção de veracidade da afirmação constante do registro imobiliário, e, especificamente quanto à discriminação de bens da União, não havendo acordo, a via judicial se faz também mister (não só consta dos artigos 32 e seguintes do Decreto-lei 9760, como da própria lei 6383, artigos 8º e 18 e seguintes). Atualmente, o art. 1245, §2º do Código Civil de 2002 é claro: “Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.


                 Repita-se: é ler a lei 6383/76, cuidando da discriminação de terras devolutas, e aí encontra-se problema de igual essência. Mas não há dúvida, existente que seja título regular, relativo a imóvel havido como alodial, deve ser promovida a ação judicial. Quando o debate passa para a questão dos terrenos de marinha, mais forte a razão, tanto mais quanto o tema envolve aspecto qual a fixação da linha do preamar médio de 1831. Casos há, sabidos, em que tal fixação se fez de modo errôneo, com prejuízo de particulares (e a recíproca é verdadeira).


                 Ainda, somente na via judicial a ampla defesa do aparente proprietário pode ser exercida, já que tem ela ação regressiva contra quem lhe alienou o domínio, e, na condição de potencial evicto, a lei lhe impõe a denunciação da lide ao alienante (art. 1116 do Código Civil de 1916, atual art. 456 do Código Civil de 2002, e 70 do CPC). Por outro lado, imperioso se faz, também, o posterior acerto do registro, até para que o bem não continue a ser negociado como alodial.

   No sentido da linha aqui perfilhada, os arestos abaixo colacionados:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO. IMPOSSIBILIDADE ANTE A EXISTÊNCIA DE PERIGO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. TÍTULO DE PROPRIEDADE DO AGRAVADO. NECESSIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO TÍTULO. -
 Cuida-se de agravo de instrumento objetivando alvejar decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, tal como postulado na peça inicial, para “determinar a suspensão dos efeitos do lançamento das cobranças das Taxas de Ocupação relativa ao imóvel de propriedade dos autores, inscrito no SPU sob o nº RIP 5703.0001591-03 (fls. 62/66), bem como para determinar que a requerida se abstenha de adotar quaisquer medidas coativas ou punitivas contrárias aos autores enquanto pendente a presente demanda, de forma a não inscrever: a) seu nome no CADIN (...); b) o débito em dívida ativa...”. - Descabe falar em conversão do agravo de instrumento em agravo retido, ante o perigo de lesão grave e de difícil reparação ao ente público. - Não merece prosperar o argumento segundo o qual descabe a aplicação do instituto da antecipação da tutela em desfavor da Fazenda Pública, diante do entendimento tranqüilo dos tribunais pátrios e, acima de tudo, pela existência da Lei nº 9.494/97,diploma legal que disciplina o manejo do instituto em comento contra os entes que integram o conceito de Fazenda Pública. - A imposição de taxa de ocupação sobre imóvel pertencente a particular, com título de domínio inscrito no registro de imóveis, não pode ser feita sem que haja prévia desconstituição daquele título, que goza de presunção de legalidade. - Agravo desprovido.

Agravo interno prejudicado.”(TRF 2ª Região; 5ª turma especializada; AG 143371; Rel.: Des. Federal Vera Lúcia Lima; DJU - Data::06/06/2007 - Página::231) (Destacamos)“DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. REGISTRO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. CERTIDÃO CINQUENTENÁRIA. ARTS. 20 E 26, CF/88. DECRETO-LEI9.760/46. 1. Cuida-se de mandado de segurança tendo como objeto a suposta ilegalidade ou vício de comportamento do Gerente Regional do Serviço de Patrimônio da União (SPU) no Espírito Santo, que determinou a notificação do Impetrante a respeito do cadastramento feito em relação ao imóvel indicado na petição inicial que, segundo consta, teria sido considerada terreno de marinha e, assim, o Impetrante seria mero ocupante a título precário, nos termos do Decreto-Lei nº 4.760/46. 2. Diante do contexto, o pedido foi o de concessão da ordem para determinar à autoridade impetrada que suspenda a cobrança das “taxas de ocupação” referentes ao imóvel, cancelando-se o ato administrativo que cadastrou o terreno como sendo de marinha, excluindoo nome do Impetrante da Dívida Ativa e do CADIN. 3. O mandado de segurança não se confunde com ação reivindicatória, tampouco com ação declaratória. E, efetivamente, os pedidos deduzidos na inicial do “writ of mandamus” se referem aos atos administrativos praticados pelo Gerente Regional do SPU no Espírito Santo que determinou o cadastramento do imóvel objeto da ação como terreno de marinha, de propriedade da União Federal. 4. Conforme se verifica da leitura dos arts. 20, inciso IV e 26, inciso II, ambos da Constituição Federal, há áreas expressamente reconhecidas no texto que correspondem às ilhas oceânicas e costeiras, mas que não pertencem a qualquer um dos entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), devido à previsão das áreas pertencentes a terceiros. 5. Inexiste prova nos autos a respeito de que não foi observado o princípio da continuidade registraria, previsto no art. 237, da Lei nº 6.015/73. Ao contrário: há prova documental que demonstra que desde o ano de 1920, houve regulares e válidas transmissões da propriedade do imóvel com base nos títulos translatícios que foram efetivamente registrados. 6. Caso a União tenha provas cabais acerca de eventual irregularidade ou ilicitude ocorrida no âmbito do Cartório de Registro de Imóveis, deverá tomar as medidas e providências cabíveis, mas sem que entre elas haja a completa desconsideração do registro público existente quanto à propriedade do imóvel em nome de um particular, como ocorre no presente caso ora submetido a julgamento.

7. Apelação e Remessa Necessária conhecidas e improvidas.”(TRF 2ª Região; 8ª turma especializada; AMS 63264; Rel.: Des. Federal Guilherme Calmon; Dju - Data::23/10/2006 - Página::238) (Destacamos).“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO. NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA. IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL. 1-) Segundo pacífica jurisprudência, não se pode conhecer de documento trazido com a apelação, a não ser que se trate de documento novo. 2-) Havendo nos autos prova suficiente à compreensão dos fatos não há que se cogitar de inadequação do mandado de segurança para o deslinde da questão. 3-) Impetrante possuidora de título de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial. É que a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1o, do artigo 134 do Código Civil de 1916, e uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, artigo 859). 4-) A União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei nº 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a título de domínio da impetrante, atributos estes que só poderão ser afastados por decisão judicial que o declare nulo ou inexistente. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dela a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos. 5-) Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61 §§ 1o e 2o, do Decreto-lei nº 9.760/46, tem-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna. 6-) Apelação e remessa improvidas.”(TRF 2ª Região; 5ª Turma Especializada; AMS 26937; Rel.: Antonio Cruz Netto; DJU - Data::07/03/2006 - Página::104) (Destacamos).


Assim, correta está a sentença ao determinar a anulação das cobranças de taxa ocupação impugnadas na inicial, ressalvando o direito da União de, uma vez observado o devido processo legal, cobrá-las novamente.

Por fim, a verba honorária foi fixada em valor razoável, condizente com o disposto no art. 20, §4º, do CPC. Há cúmulo de ações por pedido e causa de pedir. A autora foi vitoriosa, mas não inteiramente, de modo que se justifica o valor não tão elevado.

Do exposto, voto pelo desprovimento da remessa e dos apelos. É como voto.              


GUILHERME COUTO DE CASTRO


Desembargador Federal - Relator

EMENTA
DIREITO DE PROPRIEDADE - PRETENSÃO DA UNIÃO DE AFIRMAR SER TERRENO DE MARINHA BEM REGISTRADO COMO PARTICULAR – DEVIDO PROCESSO LEGAL Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação". O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção. Inteligência dos artigos 1245, § 2º, do CC, 9º e seguintes do Decreto-lei 9760, em cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior. Enquanto não for desconstituído judicialmente o título de propriedade da autora, não haverá entre ela e a União relação jurídica que legitime o enquadramento do imóvel como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente. No entanto, uma vez observado o devido processo legal, a cobrança em tese poderá ser efetuada. Remessa e Apelo da União desprovidos. Apelação da autora desprovida. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

         Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto do Relator, negar provimento à remessa e aos apelos.

                                    Rio de Janeiro, 19 de abril de 2010

GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal - Relator