quarta-feira, 23 de maio de 2012

Decisão da 6ª Turma do TRF da 2ª Região sobre laudêmio da Igreja da Barra

RELATOR
:
DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME COUTO DE CASTRO
APELANTE
:
ORDEM DOS MINIMOS DE SAO FRANCISCO DE PAULA
ADVOGADO
:
ALEXANDRE SIGMARINGA SEIXAS E OUTROS
APELANTE
:
UNIAO FEDERAL
APELADO
:
OS MESMOS
REMETENTE
:
JUIZO FEDERAL DA 26A VARA-RJ
ORIGEM
:
VIGÉSIMA SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200951010061266)



RELATÓRIO

Cuida-se de remessa e de apelações cíveis ofertadas pela ORDEM DOS MÍNIMOS DE SÃO FRANCISCO DE PAULA e pela UNIÃO FEDERAL, atacando sentença que julgou procedente, em parte, o pedido. A sentença anulou as cobranças relativas à taxa de ocupação do imóvel indicado na inicial, referentes ao período de 2000 a 2008. Ressaltou-se que a exigência, em tese, poderia ser feita posteriormente, desde que observado o devido processo legal.

Em seu recurso (fls. 608/616), a autora alega que a parte da sentença que permitiu à União, observado o devido processo legal, realizar futuras cobranças é condicional e extra petita (art. 460 do CPC); que há inequívoca contradição na sentença, pois o mesmo fundamento que respaldou a procedência do pedido de anulação das cobranças efetuadas serviu para subsidiar a improcedência do pleito de abstenção de cobranças futuras; que o novo prazo prescricional previsto na Lei nº 10.852/2004 não pode retroagir para alcançar débitos anteriores; que, portanto, as cobranças efetuadas no período de 2000 a 2004 estão fulminadas pela prescrição; e que os honorários devem ser majorados.

Em seu apelo (fls. 624/632), a União alega, por sua vez, que é a pretensão da Ordem autora que está prescrita; que a autora é parte ilegítima para demandar a UNIÃO, pois só ocupou o imóvel após a demarcação da linha do preamar médio de 1956; que o processo administrativo que enquadrou o imóvel da autora como terreno de marinha observou o devido processo legal; que a autora ocupa terreno de marinha devidamente demarcado e está sujeita ao pagamento da taxa de ocupação prevista em lei (arts. 127 e 128 do DL nº 9.760/46); e que, segundo a jurisprudência, a notificação por edital é razoável e não afronta princípio constitucional.

Em seguida, a União e a autora apresentaram contra-razões (fls. 620/622 e 636/649), defendendo a manutenção da sentença no que lhes foi favorável.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa e dos apelos interpostos (fls. 665/667). É o relatório.

GUILHERME COUTO DE CASTRO

Desembargador Federal - Relator


VOTO


 
A remessa e os apelos não merecem ser providos. A sentença é mantida por seus próprios fundamentos, que passam a integrar o presente voto, evitando-se transcrição, além dos que se lhe acrescem, na forma abaixo.

De início, não há nulidade na sentença, e é inviável que se lhe impute provimento condicional ou extra petita. A autora formulou pedidos escorados em mais de uma causa de pedir e (dentre eles) postulou que a União se abstivesse de realizar novas cobranças de taxa de ocupação concernentes ao seu imóvel; a sentença, ao assinalar que tais cobranças poderiam ser efetuadas mediante o devido processo legal, julgou improcedente esse pedido. Ou seja, o provimento de 1º grau se ateve aos limites da lide e não foi imposta qualquer condição para que surtisse seus regulares efeitos.

É sabido que a cumulação de ações pode ocorrer de vários modos e, no caso dos autos, há cúmulo de ações por pedidos (cf. fls. 27) e cúmulo de ações por causas de pedir. De outro lado, não há contradição quando os mesmos fundamentos, de forma coerente e lógica, respaldam provimentos relativos a pedidos diversos. A idéia externada na sentença é clara e correta: como não foi observado o devido processo legal para a caracterização do imóvel da autora como terreno de marinha, as cobranças de taxa de ocupação até então efetuadas são nulas. Mas como a União pode e deve demarcar seus imóveis (com efeitos declaratórios e ex tunc), ao fazê-lo regularmente, em tese novas cobranças poderão ser efetuadas. Aí, então, está rejeitado o pleito relativo à impossibilidade de futuras cobranças.

E até mesmo (aproveitando o ensejo), com relação ao mesmo período apontado na inicial (2000 a 2008), não há prova nos autos de que os débitos anteriores a 2004 estão prescritos. A antiga redação do art. 47 da Lei nº 9.636/98, aplicável à época, estipulava o prazo decadencial de cinco anos para a União apurar e prescricional de cinco anos para exigir créditos derivados de receitas patrimoniais. No entanto, como bem salientado pelo juiz de 1º grau, nada há nos autos que permita aferir o exato momento do lançamento dos débitos, e em tal contexto, nem a decadência, nem a prescrição podem ser averiguadas. É claro que, após o devido processo legal, se caracterizado que o imóvel é público e for cobrada a taxa de ocupação, a defesa poderá argüir a prescrição ou a decadência, já que a rejeição de um fundamento não produz coisa julgada (art. 469 do CPC).

Em suma, nem grande prejuízo, por ora, tal aspecto cria à autora, que poderá reabri-lo, se for novamente cobrada.

Já a tese da União, de ilegitimidade ativa, também foi refutada corretamente. A autora impugna cobranças que lhe foram endereçadas, e é, portanto, quem possui pertinência subjetiva para figurar na lide. O fato de seu pleito estar respaldado na nulidade de procedimento demarcatório ocorrido antes de seu ingresso no imóvel é indiferente. Com o ato de transmissão da propriedade, a autora adquiriu todos os direitos relativos ao imóvel, inclusive o de impugnar as cobranças sobre o imóvel, que afetam a esfera jurídica da autora.

Também não há que se falar em decadência ou prescrição da pretensão da autora. A autora adquiriu imóvel livre e desembaraçado, segundo a anotação do registro imobiliário (fls. 36). Basta dizer, então, que o pleito reside, no fundo, no reconhecimento do domínio, e somente seria afastável quando já extinto o direito de propriedade adquirido pela autora. Como a propriedade tende a perpetuar-se, apenas a prescrição aquisitiva (usucapião) a impediria de litigar. Mas jamais corre a prescrição extintiva contra o proprietário de imóvel (ainda que aparente) que queira litigar contra a demarcação administrativa de seu imóvel, enquanto não reconhecida a perda da propriedade (art. 1245, § 2º, do Cód. Civil).

A autora é proprietária (pelo menos aparente) e possuidora do imóvel descrito na inicial desde 1962. Adquiriu o imóvel sem quaisquer ônus, inexistente referência de cuidar-se de terreno de marinha, existindo anotação de cadeia dominial regular (fl. 36), é tema incontroverso.

                 Ocorre que, posteriormente, a União realizou procedimento administrativo, através de seu órgão de patrimônio, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760/46, e, aferindo cuidar-se a área constante do título da autora terreno de marinha, internamente demarcou-o assim, pretendendo cobrar, de tal arte, a chamada "taxa de ocupação".

                 O ilustre Juiz de 1º grau apreciou corretamente o tema, não podendo a União, sem retificar ou cancelar o título dominial da parte, há muito existente e embasado em cadeia regular, afirmar ser público o bem, no caso, terreno de marinha (art. 1245, § 2º, do CC).. É bem verdade que, examinando a jurisprudência dos pretórios, o tema tem suscitado dissensão, e há acórdãos exatamente no sentido contrário à tese aqui adotada. Veja-se o decisório seguinte, in verbis:

"ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. AUTOR POSSUI TÍTULO DE PROPRIEDADE.

1.     Observadas as disposições legais no procedimento demarcatório dos terrenos de marinha, na conformidade do aludido Decreto-lei, art. 9º a artigo 14, não há como prosperar a alegação do autor de que o imóvel em questão não pertence ao domínio estatal, em razão da cadeia dominial a ele pertinente (doação do estado do rgs ao município, pela lei estadual nº 1360/50, que, por sua vez, alienou aos autores.).

2.     O domínio da União, no caso em tela, decorre de prescrição legal, não sendo possível opor-lhe a aludida cadeia dominial que se desenvolveu de forma equivocada a partir de transmissão de propriedade plena do imóvel. Uma vez constatado o vício de origem do título de propriedade em questão, torna-se impossível prevalecer a propriedade particular desses imóveis, posto que o Município alienou imóveis que não lhe pertenciam.

3.     No tocante à taxa de ocupação, trata-se de preço público e não tributo, sendo uma contraprestação que o particular deve pagar à União Federal em virtude da utilização de um terreno de marinha, inocorrendo bitributação, pois esta só existe na hipótese de dois tributos com incidência sobre um mesmo fato gerador. (TRF -4 ª Turma - 16-12-1997 - Relator: JUIZ JOSÉ LUIZ BORGES GERMANO DA SILVA).

                  Os argumentos da União são basicamente os transcritos, mas não convencem, data venia.

                 Não que a União Federal não possa demarcar seus terrenos de marinha; ao contrário, pode e deve fazê-lo. Não, também, que alguém possa crer que a mera existência de um título de propriedade registrado induz à indiscutível certeza dominial. E, claro, é certo também que os bens públicos são inusucapíveis. A questão aqui é outra: cuida-se de saber qual é o devido processo (art. 5º, LIV, da Lei Maior) para que um bem, regularmente negociado e no mercado como bem alodial, possa ser considerado terreno de marinha.

No caso, conforme já ressaltado pelo juiz de 1º grau (fls. 595/596), nem o procedimento administrativo previsto nos arts. 9º e seguintes do DL nº 9.760/46 observou os princípios do contraditório e ampla defesa, pois os interessados certos, à época, não foram intimados pessoalmente. Mas o fato é que, mesmo se realizado regularmente, o referido processo administrativo, em interpretação sistemática, não poderia prevalecer, por si, sobre o título registrado, até então regular, de quem de direito. Nas hipóteses nas quais não exista um imóvel, antes havido como alodial e regularmente negociado no mercado, aí sim, é suficiente o procedimento administrativo, tão-só.

                 Nos casos em que exista bem havido regularmente como livre de ônus, assim transcrito, assim há muito negociado, não havendo concordância do proprietário aparente, existe necessidade de uso da via judicial, com retificação do registro imobiliário, para que, finalmente, o terreno seja considerado de marinha. Este é o devido processo legal, para a hipótese, e a lei é clara (artigos 1245, § 2º, do Código Civil e 32 e seguintes do Decreto-lei 9760).


                 Ainda que alguma dúvida pudesse resultar da interpretação do texto legal, e não é o caso, data vênia, bastaria visão sistemática. Para expropriar um bem, por mais forte que seja a razão, a Lei Maior não permite a autotutela (art. 5º, LXXIV), e, no direito privado, desde os tempos romanos, a posse é protegida por si, devendo o proprietário buscar judicialmente seus direitos. Por outro lado, o art. 859 do Código Civil de 1916, incidente à época da propositura da demanda, comanda a presunção de veracidade da afirmação constante do registro imobiliário, e, especificamente quanto à discriminação de bens da União, não havendo acordo, a via judicial se faz também mister (não só consta dos artigos 32 e seguintes do Decreto-lei 9760, como da própria lei 6383, artigos 8º e 18 e seguintes). Atualmente, o art. 1245, §2º do Código Civil de 2002 é claro: “Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.


                 Repita-se: é ler a lei 6383/76, cuidando da discriminação de terras devolutas, e aí encontra-se problema de igual essência. Mas não há dúvida, existente que seja título regular, relativo a imóvel havido como alodial, deve ser promovida a ação judicial. Quando o debate passa para a questão dos terrenos de marinha, mais forte a razão, tanto mais quanto o tema envolve aspecto qual a fixação da linha do preamar médio de 1831. Casos há, sabidos, em que tal fixação se fez de modo errôneo, com prejuízo de particulares (e a recíproca é verdadeira).


                 Ainda, somente na via judicial a ampla defesa do aparente proprietário pode ser exercida, já que tem ela ação regressiva contra quem lhe alienou o domínio, e, na condição de potencial evicto, a lei lhe impõe a denunciação da lide ao alienante (art. 1116 do Código Civil de 1916, atual art. 456 do Código Civil de 2002, e 70 do CPC). Por outro lado, imperioso se faz, também, o posterior acerto do registro, até para que o bem não continue a ser negociado como alodial.

   No sentido da linha aqui perfilhada, os arestos abaixo colacionados:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO. IMPOSSIBILIDADE ANTE A EXISTÊNCIA DE PERIGO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. TÍTULO DE PROPRIEDADE DO AGRAVADO. NECESSIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO TÍTULO. -
 Cuida-se de agravo de instrumento objetivando alvejar decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, tal como postulado na peça inicial, para “determinar a suspensão dos efeitos do lançamento das cobranças das Taxas de Ocupação relativa ao imóvel de propriedade dos autores, inscrito no SPU sob o nº RIP 5703.0001591-03 (fls. 62/66), bem como para determinar que a requerida se abstenha de adotar quaisquer medidas coativas ou punitivas contrárias aos autores enquanto pendente a presente demanda, de forma a não inscrever: a) seu nome no CADIN (...); b) o débito em dívida ativa...”. - Descabe falar em conversão do agravo de instrumento em agravo retido, ante o perigo de lesão grave e de difícil reparação ao ente público. - Não merece prosperar o argumento segundo o qual descabe a aplicação do instituto da antecipação da tutela em desfavor da Fazenda Pública, diante do entendimento tranqüilo dos tribunais pátrios e, acima de tudo, pela existência da Lei nº 9.494/97,diploma legal que disciplina o manejo do instituto em comento contra os entes que integram o conceito de Fazenda Pública. - A imposição de taxa de ocupação sobre imóvel pertencente a particular, com título de domínio inscrito no registro de imóveis, não pode ser feita sem que haja prévia desconstituição daquele título, que goza de presunção de legalidade. - Agravo desprovido.

Agravo interno prejudicado.”(TRF 2ª Região; 5ª turma especializada; AG 143371; Rel.: Des. Federal Vera Lúcia Lima; DJU - Data::06/06/2007 - Página::231) (Destacamos)“DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. REGISTRO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. CERTIDÃO CINQUENTENÁRIA. ARTS. 20 E 26, CF/88. DECRETO-LEI9.760/46. 1. Cuida-se de mandado de segurança tendo como objeto a suposta ilegalidade ou vício de comportamento do Gerente Regional do Serviço de Patrimônio da União (SPU) no Espírito Santo, que determinou a notificação do Impetrante a respeito do cadastramento feito em relação ao imóvel indicado na petição inicial que, segundo consta, teria sido considerada terreno de marinha e, assim, o Impetrante seria mero ocupante a título precário, nos termos do Decreto-Lei nº 4.760/46. 2. Diante do contexto, o pedido foi o de concessão da ordem para determinar à autoridade impetrada que suspenda a cobrança das “taxas de ocupação” referentes ao imóvel, cancelando-se o ato administrativo que cadastrou o terreno como sendo de marinha, excluindoo nome do Impetrante da Dívida Ativa e do CADIN. 3. O mandado de segurança não se confunde com ação reivindicatória, tampouco com ação declaratória. E, efetivamente, os pedidos deduzidos na inicial do “writ of mandamus” se referem aos atos administrativos praticados pelo Gerente Regional do SPU no Espírito Santo que determinou o cadastramento do imóvel objeto da ação como terreno de marinha, de propriedade da União Federal. 4. Conforme se verifica da leitura dos arts. 20, inciso IV e 26, inciso II, ambos da Constituição Federal, há áreas expressamente reconhecidas no texto que correspondem às ilhas oceânicas e costeiras, mas que não pertencem a qualquer um dos entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), devido à previsão das áreas pertencentes a terceiros. 5. Inexiste prova nos autos a respeito de que não foi observado o princípio da continuidade registraria, previsto no art. 237, da Lei nº 6.015/73. Ao contrário: há prova documental que demonstra que desde o ano de 1920, houve regulares e válidas transmissões da propriedade do imóvel com base nos títulos translatícios que foram efetivamente registrados. 6. Caso a União tenha provas cabais acerca de eventual irregularidade ou ilicitude ocorrida no âmbito do Cartório de Registro de Imóveis, deverá tomar as medidas e providências cabíveis, mas sem que entre elas haja a completa desconsideração do registro público existente quanto à propriedade do imóvel em nome de um particular, como ocorre no presente caso ora submetido a julgamento.

7. Apelação e Remessa Necessária conhecidas e improvidas.”(TRF 2ª Região; 8ª turma especializada; AMS 63264; Rel.: Des. Federal Guilherme Calmon; Dju - Data::23/10/2006 - Página::238) (Destacamos).“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO. NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA. IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL. 1-) Segundo pacífica jurisprudência, não se pode conhecer de documento trazido com a apelação, a não ser que se trate de documento novo. 2-) Havendo nos autos prova suficiente à compreensão dos fatos não há que se cogitar de inadequação do mandado de segurança para o deslinde da questão. 3-) Impetrante possuidora de título de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial. É que a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1o, do artigo 134 do Código Civil de 1916, e uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, artigo 859). 4-) A União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei nº 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a título de domínio da impetrante, atributos estes que só poderão ser afastados por decisão judicial que o declare nulo ou inexistente. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dela a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos. 5-) Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61 §§ 1o e 2o, do Decreto-lei nº 9.760/46, tem-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna. 6-) Apelação e remessa improvidas.”(TRF 2ª Região; 5ª Turma Especializada; AMS 26937; Rel.: Antonio Cruz Netto; DJU - Data::07/03/2006 - Página::104) (Destacamos).


Assim, correta está a sentença ao determinar a anulação das cobranças de taxa ocupação impugnadas na inicial, ressalvando o direito da União de, uma vez observado o devido processo legal, cobrá-las novamente.

Por fim, a verba honorária foi fixada em valor razoável, condizente com o disposto no art. 20, §4º, do CPC. Há cúmulo de ações por pedido e causa de pedir. A autora foi vitoriosa, mas não inteiramente, de modo que se justifica o valor não tão elevado.

Do exposto, voto pelo desprovimento da remessa e dos apelos. É como voto.              


GUILHERME COUTO DE CASTRO


Desembargador Federal - Relator

EMENTA
DIREITO DE PROPRIEDADE - PRETENSÃO DA UNIÃO DE AFIRMAR SER TERRENO DE MARINHA BEM REGISTRADO COMO PARTICULAR – DEVIDO PROCESSO LEGAL Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação". O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção. Inteligência dos artigos 1245, § 2º, do CC, 9º e seguintes do Decreto-lei 9760, em cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior. Enquanto não for desconstituído judicialmente o título de propriedade da autora, não haverá entre ela e a União relação jurídica que legitime o enquadramento do imóvel como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente. No entanto, uma vez observado o devido processo legal, a cobrança em tese poderá ser efetuada. Remessa e Apelo da União desprovidos. Apelação da autora desprovida. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

         Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto do Relator, negar provimento à remessa e aos apelos.

                                    Rio de Janeiro, 19 de abril de 2010

GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal - Relator

Um comentário:

Valmir disse...

Em Itapema-SC, está ocorrendo algo similar. A SPU-SC avançou sobre terrenos alodiais, não respeitando as sua própria LPM1831 - exigida por ocasião da regularização do imóvel em 2001(exigiu escritura de parte do terreno a favor da União), por haver perdido terras para a municipalidade que construiu um parque calçadão em frente a praia.Buscando assim, um aumento nas taxas de ocupação, criando insegurança jurídica, ofensa a propriedade e ao ato jurídico perfeito.