quarta-feira, 23 de maio de 2012

Decisão da 6ª Turma do TRF dA 2ª Região sobre laudêmio no Flamengo

RELATOR
:
JUÍZA FED. CONV. CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA,
EM SUBST. AO DES. FED. GUILHERME COUTO DE CASTRO
APELANTE
:
MANUEL JACINTO GONCALVES E OUTRO
ADVOGADO
:
JOSE CALIXTO UCHOA RIBEIRO E OUTROS
APELANTE
:
UNIAO FEDERAL
APELADO
:
OS MESMOS
REMETENTE
:
JUIZO FEDERAL DA 10A VARA-RJ
ORIGEM
:
DÉCIMA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200351010192991)





RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de apelação cível interposta por MANUEL JACINTO GONÇALVES E JÚLIO SÉRGIO DE SOUZA CARDOSO, bem como pela UNIÃO FEDERAL, contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, “para declarar a invalidade do ato administrativo que repristinou a condição de foreiro do imóvel sobre parte do qual estão os apartamentos de propriedade dos autores, determinando, ainda, o cancelamento das prenotações e/ou averbações nas matrículas dos indigitados imóveis, declarando a inexistência de obrigação ao pagamento de foro e laudêmio enquanto não for observado o disposto no Decreto-lei n.º 9.760/46” (fls. 297/302). A sentença ainda condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00, em razão da sucumbência mínima dos autores.

A Juíza de primeiro grau ressaltou inicialmente que “a demanda judicial que teria formado a coisa julgada violada pela União Federal tinha por objeto imóvel diverso daquele onde foi erguido o prédio no qual os autores possuem os seus apartamentos, tendo em vista que a demanda refere-se ao imóvel confrontante localizado na Rua Senador Vergueiro, n.º 45 e não ao imóvel localizado no n.º 274 da Praia do Flamengo” (fl. 299). E, ultrapassada a questão relativa à ofensa à coisa julgada, concluiu que “para que o terreno sobre o qual se situa o imóvel dos autores pudesse ser tido como terreno de Marinha impunha-se prévio e regular procedimento  administrativo, com obediência ao disposto nos artigos supra citados (arts. 11, 13 e 14 do Decreto-lei nº 9.760/46), sem o qual não é possível cobrar de quem detém legítimo título de propriedade o pretendido foro. Some-se a isso o fato de que o registro da propriedade livre de quaisquer ônus, como no presente caso, gera efeitos erga omnes atingindo, inclusive, a União Federal” (fl. 300).

         O apelo da parte-autora (fls. 358/368) alega, em síntese, que a petição inicial  da ação de usucapião referente ao imóvel nº 45 da Rua Senador Vergueiro demonstra que o imóvel situado na Praia do Flamengo, nº 274 integrava aquele terreno; que trecho da referida peça evidencia que o terreno da Rua Senador Vergueiro tinha como fundos a praia do Flamengo, que sequer tinha rua à época da distribuição da referida ação de usucapião; que a própria União reconhece, administrativamente, que o terreno situado na Praia do Flamengo, nº 274 é fruto do desmembramento do terreno situado na Rua Senador Vergueiro, nº 45 (fls.313/315); que, analisando a planta que consta dos arquivos da Delegacia do Patrimônio da União, fica evidente que o imóvel da Rua Senador Vergueiro, nº 45 englobava o da Praia do Flamengo, nº 274 (fl. 316); que a própria União juntou aos autos o parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional nº 079/05, em que reconhece a relação entre os imóveis, bem como que a decisão que reconheceu como alodial o imóvel da Rua Senador Vergueiro, nº 45 está encoberta pelo manto da coisa julgada (fls. 330/337); que o valor arbitrado a título de honorários advocatícios chega a ser simbólico e é muitas vezes menor do que honorários periciais, sendo que a atuação dos peritos se esgota ao apresentar o laudo pericial, violando o disposto no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC e no art. 133 da Constituição Federal; que, portanto, a verba deve ser majorada para valor não inferior a 10% do valor corrigido da causa. 

         O apelo da União (fls. 384/388) aduz que “(...) deve ser ressaltado que mesmo se considerarmos a autenticidade do título da área em questão, que afirma pertencer esta a particulares, foi observado pelo órgão federal com atribuição para tanto que está em área de marinha de propriedade da União (...)” – fl. 385; “(...) sendo a propriedade da União, a inscrição ex officio é ato legal, enquanto decorrente de autorização prevista em lei e nada tem de violar ao princípio do direito ao contraditório ou à ampla defesa. O Decreto-lei nº 9.760/46, nos artigos 9º a 14, estabelece as regras próprias para extremar os terrenos da União, dos particulares. Dentro dessa previsão, definiu-se a propriedade pública na região em que se encontra situado o terreno ocupado pelos Apelados, com a demarcação oficial em 1968 das Linhas Limite de Marinha e de Preamar Médio de 1831, devidamente aprovada e homologada em 1968, através do processo 1241/64, com a devida publicidade, através dos editais 46/64, 42/68, 41/69 e 43/69. Portanto, uma vez identificada a propriedade da União, desde 1968, e não tendo ocorrido o comparecimento espontâneo dos ocupantes atuais ou seus antecessores dos terrenos abrangidos naquela demarcação, obrigada está a administração do DPU a dar cumprimento às normas vigentes que estabelecem a prática do ato de inscrição ex officio, até mesmo para evitar a continuidade de ocupação gratuita dos terrenos, em detrimento ao Erário Público, defeso em lei. (...)” – fls. 386/387. Ao final, postula o prequestionamento explícito do Decreto-lei nº 9.760/46 e do art. 20, VII da Constituição Federal de 1988.

         Foram apresentadas contra-razões pela União (fls. 372/381) e pela parte-autora (fls.400/403), e o Ministério Público Federal deixou de oficiar, afirmando inexistir interesse público para a sua intervenção (fls. 407/411).

         É o relatório.



CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA

Juíza Federal Convocada – Relatora

ivs



VOTO

A remessa e a apelação da União não merecem provimento, enquanto o apelo da parte Autora deve ser provido apenas no tocante aos honorários advocatícios. No mais, a d. sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, que passam a integrar o presente voto, evitando-se transcrição, além dos que se lhe acrescem, na forma abaixo.

Na hipótese dos autos, o primeiro autor, MANUEL JACINTO GONÇALVES, é proprietário do imóvel situado na Praia do Flamengo, nº 274, apto 401 (fls. 24/25), ao passo que o segundo autor, JÚLIO SÉRGIO DE SOUZA CARDOSO, é promitente-comprador do imóvel situado na Praia do Flamengo, nº 274, apto 701 (fls. 31/32).

Na sentença, a Juíza de primeiro grau ressaltou inicialmente que “a demanda judicial que teria formado a coisa julgada violada pela União Federal tinha por objeto imóvel diverso daquele onde foi erguido o prédio no qual os autores possuem os seus apartamentos, tendo em vista que a demanda refere-se ao imóvel confrontante localizado na Rua Senador Vergueiro, n.º 45 e não ao imóvel localizado no n.º 274 da Praia do Flamengo” (fl. 299).

E, ao rejeitar os embargos de declaração opostos pelos autores, asseverou que “(...) não foram produzidas provas consistentes no sentido de que os imóveis acima referidos seriam os mesmos, o que poderia ser feito através de certidão do RGI, cuja cópia acostada às fls. 31/32 não consta tal alegação, ou prova pericial, que não foi requerida, ainda que os autores tivessem sido instados a se manifestarem sobre as provas a serem produzidas (...)” – fls. 321/322.

Com efeito, a documentação mencionada pelos autores em seu apelo, inclusive a planta de fl. 316, demonstra que o imóvel situado na Rua Senador Vergueiro, nº 45 abrangia apenas parte do atual imóvel da Praia do Flamengo, nº 274. Ou seja, apenas parte deste imóvel pode ser considerada como alodial, o que não impede que a outra parte seja reconhecida como terreno de marinha.

Entretanto, ultrapassada a questão relativa à ofensa à coisa julgada, verifica-se que os autores são proprietários (aparentes, pelo menos) e possuidores dos apartamentos 401 e 701 do nº 274 da Praia do Flamengo. Adquiriram tais imóveis sem quaisquer ônus, inexistente referência de cuidar-se de terreno de marinha, existindo anotação de cadeia dominial regular (fls. 24/25 e 31/32). Este aspecto é tema incontroverso.

Ocorre que, no caso, a União não demonstrou sequer que realizou procedimento administrativo, através de seu órgão de patrimônio, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760/46, para aferir cuidar-se a área de terreno de marinha.

E a verdade é que, independentemente de o imóvel dos autores se enquadrar ou não no conceito de terreno de marinha, ou de originariamente pertencer ele à União Federal, ou de o procedimento administrativo do DL 9760/45 ter sido feito de forma regular (e, no caso, nem sequer foi realizado), não pode a União, sem retificar ou cancelar o título dominial da parte, há muito existente e embasado em cadeia regular, afirmar ser público o bem, no caso, terreno de marinha. É bem verdade que, examinando a jurisprudência dos pretórios, o tema tem suscitado dissensão, e há acórdãos exatamente no sentido contrário à tese aqui adotada. Veja-se o decisório seguinte, in verbis:

"ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. AUTOR POSSUI TÍTULO DE PROPRIEDADE.

1.Observadas as disposições legais no procedimento demarcatório dos terrenos de marinha, na conformidade do aludido Decreto-lei, art. 9º a artigo 14, não há como prosperar a alegação do autor de que o imóvel em questão não pertence ao domínio estatal, em razão da cadeia dominial a ele pertinente (doação do estado do rgs ao município, pela lei estadual nº 1360/50, que, por sua vez, alienou aos autores.).

2.O domínio da União, no caso em tela, decorre de prescrição legal, não sendo possível opor-lhe a aludida cadeia dominial que se desenvolveu de forma equivocada a partir de transmissão de propriedade plena do imóvel. Uma vez constatado o vício de origem do título de propriedade em questão, torna-se impossível prevalecer a propriedade particular desses imóveis, posto que o Município alienou imóveis que não lhe pertenciam.

3.No tocante à taxa de ocupação, trata-se de preço público e não tributo, sendo uma contraprestação que o particular deve pagar à União Federal em virtude da utilização de um terreno de marinha, inocorrendo bitributação, pois esta só existe na hipótese de dois tributos com incidência sobre um mesmo fato gerador. (TRF -4 ª Turma - 16-12-1997 - Relator: JUIZ JOSÉ LUIZ BORGES GERMANO DA SILVA).

Os argumentos da União são basicamente os transcritos, mas não convencem, data venia.

Não que a União Federal não possa demarcar seus terrenos de marinha; ao contrário, pode e deve fazê-lo. Não, também, que alguém possa crer que a mera existência de um título de propriedade registrado induz à indiscutível certeza dominial. E, claro, é certo também que os bens públicos são inusucapíveis. A questão aqui é outra: cuida-se de saber qual é o devido processo (art. 5º, LIV, da Lei Maior) para que um bem, regularmente negociado e no mercado como bem alodial, possa ser considerado terreno de marinha.

Conforme já ressaltado, mesmo se realizado regularmente o procedimento previsto nos arts. 9º e seguintes do DL nº 9.760/46, este, em interpretação sistemática, não pode prevalecer, por si, sobre o título registrado, até então regular, de quem de direito. Nas hipóteses nas quais não exista um imóvel, antes havido como alodial e regularmente negociado no mercado, aí sim, é suficiente o procedimento administrativo, tão-só.

Nos casos em que exista bem havido regularmente como livre de ônus, assim transcrito, assim há muito negociado, não havendo concordância do proprietário aparente, existe necessidade de uso da via judicial, com retificação do registro imobiliário, para que, finalmente, o terreno seja considerado de marinha. Este é o devido processo legal, para a hipótese, e a lei é clara (artigos 32 e seguintes do mesmo Decreto-lei 9760).

Ainda que alguma dúvida pudesse resultar da interpretação do texto legal, e não é o caso, data venia, bastaria visão sistemática. Para expropriar um bem, por mais forte que seja a razão, a Lei Maior não permite a autotutela (art. 5º, LXXIV), e, no direito privado, desde os tempos romanos, a posse é protegida por si, devendo o proprietário buscar judicialmente seus direitos. Por outro lado, o art. 859 do Código Civil comanda a presunção de veracidade da afirmação constante do registro imobiliário, e, especificamente quanto à discriminação de bens da União, não havendo acordo, a via judicial se faz também mister (não só consta dos artigos 32 e seguintes do Decreto-lei 9760, como da própria lei 6383, artigos 8º e 18 e seguintes).

Repita-se: é ler a lei 6383/76, cuidando da discriminação de terras devolutas, e aí encontra-se problema de igual essência. Mas não há dúvida, existente que seja título regular, relativo a imóvel havido como alodial, deve ser promovida a ação judicial. Quando o debate passa para a questão dos terrenos de marinha, mais forte a razão, tanto mais quanto o tema envolve aspecto qual a fixação da linha de preamar médio de 1831. Casos há, sabidos, em que tal fixação se fez de modo errôneo, com prejuízo de particulares (e a recíproca é verdadeira).

Ainda, somente na via judicial a ampla defesa do aparente proprietário pode ser exercida, já que tem ele ação regressiva contra quem lhe alienou o domínio, e, na condição de potencial evicto, a lei lhe impõe a denunciação da lide ao alienante (art. 1116 do Código Civil e 70 do CPC). Por outro lado, imperioso se faz, também, o posterior acerto do registro, até para que o bem não continue a ser negociado como alodial.

No sentido da linha aqui perfilhada, os arestos abaixo colacionados:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO. IMPOSSIBILIDADE ANTE A EXISTÊNCIA DE PERIGO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. TÍTULO DE PROPRIEDADE DO AGRAVADO. NECESSIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO TÍTULO. - Cuida-se de agravo de instrumento objetivando alvejar decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, tal como postulado na peça inicial, para “determinar a suspensão dos efeitos do lançamento das cobranças das Taxas de Ocupação relativa ao imóvel de propriedade dos autores, inscrito no SPU sob o nº RIP 5703.0001591-03 (fls. 62/66), bem como para determinar que a requerida se abstenha de adotar quaisquer medidas coativas ou punitivas contrárias aos autores enquanto pendente a presente demanda, de forma a não inscrever: a) seu nome no CADIN (...); b) o débito em dívida ativa...”. - Descabe falar em conversão do agravo de instrumento em agravo retido, ante o perigo de lesão grave e de difícil reparação ao ente público. - Não merece prosperar o argumento segundo o qual descabe a aplicação do instituto da antecipação da tutela em desfavor da Fazenda Pública, diante do entendimento tranqüilo dos tribunais pátrios e, acima de tudo, pela existência da Lei nº 9.494/97, diploma legal que disciplina o manejo do instituto em comento contra os entes que integram o conceito de Fazenda Pública. - A imposição de taxa de ocupação sobre imóvel pertencente a particular, com título de domínio inscrito no registro de imóveis, não pode ser feita sem que haja prévia desconstituição daquele título, que goza de presunção de legalidade. - Agravo desprovido. Agravo interno prejudicado.”
(TRF 2ª Região; 5ª turma especializada; AG 143371; Rel.: Des. Federal Vera Lúcia Lima; DJU - Data::06/06/2007 - Página::231) (Destacamos)
“DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. REGISTRO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. CERTIDÃO CINQUENTENÁRIA. ARTS. 20 E 26, CF/88. DECRETO-LEI
9.760/46. 1. Cuida-se de mandado de segurança tendo como objeto a suposta ilegalidade ou vício de comportamento do Gerente Regional do Serviço de Patrimônio da União (SPU) no Espírito Santo, que determinou a notificação do Impetrante a respeito do cadastramento feito em relação ao imóvel indicado na petição inicial que, segundo consta, teria sido considerada terreno de marinha e, assim, o Impetrante seria mero ocupante a título precário, nos termos do Decreto-Lei nº 4.760/46. 2. Diante do contexto, o pedido foi o de concessão da ordem para determinar à autoridade impetrada que suspenda a cobrança das “taxas de ocupação” referentes ao imóvel, cancelando-se o ato administrativo que cadastrou o terreno como sendo de marinha, excluindo o nome do Impetrante da Dívida Ativa e do CADIN. 3. O mandado de segurança não se confunde com ação reivindicatória, tampouco com ação declaratória. E, efetivamente, os pedidos deduzidos na inicial do “writ of mandamus” se referem aos atos administrativos praticados pelo Gerente Regional do SPU no Espírito Santo que determinou o cadastramento do imóvel objeto da ação como terreno de marinha, de propriedade da União Federal. 4. Conforme se verifica da leitura dos arts. 20, inciso IV e 26, inciso II, ambos da Constituição Federal, há áreas expressamente reconhecidas no texto que correspondem às ilhas oceânicas e costeiras, mas que não pertencem a qualquer um dos entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), devido à previsão das áreas pertencentes a terceiros. 5. Inexiste prova nos autos a respeito de que não foi observado o princípio da continuidade registraria, previsto no art. 237, da Lei nº 6.015/73. Ao contrário: há prova documental que demonstra que desde o ano de 1920, houve regulares e válidas transmissões da propriedade do imóvel com base nos títulos translatícios que foram efetivamente registrados. 6. Caso a União tenha provas cabais acerca de eventual irregularidade ou ilicitude ocorrida no âmbito do Cartório de Registro de Imóveis, deverá tomar as medidas e providências cabíveis, mas sem que entre elas haja a completa desconsideração do registro público existente quanto à propriedade do imóvel em nome de um particular, como ocorre no presente caso ora submetido a julgamento. 7. Apelação e Remessa Necessária conhecidas e improvidas.”
(TRF 2ª Região; 8ª turma especializada; AMS 63264; Rel.: Des. Federal Guilherme Calmon; Dju - Data::23/10/2006 - Página::238) (Destacamos).
“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO. NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA. IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL. 1-) Segundo pacífica jurisprudência, não se pode conhecer de documento trazido com a apelação, a não ser que se trate de documento novo. 2-) Havendo nos autos prova suficiente à compreensão dos fatos não há que se cogitar de inadequação do mandado de segurança para o deslinde da questão. 3-) Impetrante possuidora de título de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial. É que a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1o, do artigo 134 do Código Civil de 1916, e uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, artigo 859). 4-) A União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei nº 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a título de domínio da impetrante, atributos estes que só poderão ser afastados por decisão judicial que o declare nulo ou inexistente. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dela a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos. 5-) Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61 §§ 1o e 2o, do Decreto-lei nº 9.760/46, tem-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna. 6-) Apelação e remessa improvidas.”
(TRF 2ª Região; 5ª Turma Especializada; AMS 26937; Rel.: Antonio Cruz Netto; DJU - Data::07/03/2006 - Página::104) (Destacamos).

Assim, correta a sentença ao declarar a inexistência de relação jurídica apta a ensejar o enquadramento do imóvel dos autores como terreno de marinha e a correspondente obrigação de pagar foro e laudêmio enquanto não observado o devido processo legal.

Apenas deve-se ressaltar que a inexistência de tal relação jurídica não é situação eterna. Tal relação jurídica poderá vir a existir se adotado, pela União, o procedimento correto para a caracterização do imóvel dos autores como terreno de marinha. Uma vez utilizada a via adequada, com observância do devido processo legal, surgirá entre as partes relação jurídica apta a legitimar o enquadramento do imóvel dos autores como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente. Não se pode conceber que os autores estejam a obter aqui um salvo-conduto eterno à prática legítima de um ato administrativo (notadamente quando este é operado com respaldo na Constituição). Apenas se reconhece que, enquanto não for desconstituído judicialmente o título de propriedade dos autores, não haverá entre eles e a União relação jurídica que legitime o enquadramento de seu imóvel como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente.

É por este ângulo que o pedido e o dispositivo da sentença devem e são aqui compreendidos. É por este ângulo que a sentença é mantida.

Por fim, no que tange à verba honorária, nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, deve ser aplicado o § 4º do art. 20 do CPC. E, nos termos do citado artigo, o magistrado não só não está adstrito aos percentuais de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) estabelecidos no § 3º do referido artigo, como também não lhe é vedado o arbitramento da verba em valores fixos.

Nesse sentido, trago à colação precedentes do E. STJ, in verbis:

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. IPTU. TIP. TCCLP. TCDL. JUROS DE MORA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 20, § 4º, DO CPC. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

(...)

2. Mesmo considerando que a condenação em honorários da Fazenda Pública deve ser realizada com alicerce no art. 20, § 4º, do CPC, a fixação do quantum devido será feita consoante apreciação eqüitativa do juiz, que levará em conta fatores primordialmente factuais.

3. Não está o juiz adstrito aos limites indicados no § 3º do referido artigo (mínimo de 10% e máximo de 20%), porquanto a alusão feita pelo § 4º do art. 20 do CPC é concernente às alíneas do § 3º, tão-somente, e não ao seu caput.

(...)”

(STJ, AgRg no Ag 623659 / RJ, rel. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 06/06/2005 p. 187)

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INUTILIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. ART.

20, § 4º, DO CPC. APRECIAÇÃO EQÜITATIVA DO JUIZ. PRECEDENTE.

(...)

4. Nas causas em que a Fazenda Pública restar vencida, a verba advocatícia deve ser estabelecida de acordo com a apreciação eqüitativa do juiz, razão pela qual pode ser fixada de acordo com os percentuais previstos no caput do § 3º do artigo 20 do CPC, bem como ser estipulada em valor certo, aquém ou além daqueles limites, de acordo com o valor da causa ou da condenação. Aplicação do disposto no § 4º do mencionado artigo. Precedente.

(...)”

(STJ, AgRg no REsp 799776 / BA, rel. MINISTRA  MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJ 09/04/2007 p. 290)

Todavia, considerando o elevado valor dado à causa (R$ 100.000,00 – fl. 13) e o trabalho desempenhado pelos advogados do Autor, entendo que o arbitramento da verba honorária em R$ 2.000,00 (dois mil reais) não foi adequado, pois está em patamar baixo, girando em torno de 2% daquele valor. Logo, os honorários devem ser majorados para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), seguindo o disposto nas alíneas do § 3º do art. 20 do CPC. 

Voto, pois, no sentido de negar provimento à remessa e à apelação da União, bem como dou parcial provimento ao recurso da parte Autora para fixar os honorários advocatícios em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). No mais, mantenho a sentença, sem prejuízo da ação judicial que possa ser proposta, zelando pelo patrimônio da União.

É como voto.



CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA

Juíza Federal Convocada – Relatora

ivs



EMENTA

DIREITO DE PROPRIEDADE – PRETENSÃO DA UNIÃO DE AFIRMAR SER TERRENO DE MARINHA BEM REGISTRADO COMO PARTICULAR – DEVIDO PROCESSO LEGAL.

- Não pode o poder público, sem o devido processo legal, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação". O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção. No caso, nem sequer foi demonstrada a existência de procedimento administrativo demarcatório. Inteligência dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760 e seu cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior. Assim, enquanto não for desconstituído judicialmente o título de propriedade dos autores, não haverá entre eles e a União relação jurídica que legitime o enquadramento de seu imóvel como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente.

- Nos termos do § 4º do art. 20 do CPC, aplicável às causas em que a Fazenda Pública for vencida, o magistrado não só não se está adstrito aos percentuais de 10% e 20% estabelecidos no § 3º do referido artigo, como também não lhe é vedado o arbitramento da verba em valores fixos. Todavia, considerando o elevado valor dado à causa (R$ 100.000,00 – fl. 13) e o trabalho desempenhado pelos advogados do Autor, entendo que o arbitramento da verba honorária em R$ 2.000,00 (dois mil reais) não foi adequado, pois está em patamar baixo, girando em torno de 2% daquele valor. Logo, os honorários devem ser majorados para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), atendendo o disposto nas alíneas do § 3º do art. 20 do CPC.

- Remessa necessária e apelação da União desprovidas. Apelação da parte Autora parcialmente provida, apenas para majorar os honorários.



ACÓRDÃO

         Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto da Relatora, negar provimento à remessa necessária e à apelação da União, bem como dar parcial provimento à apelação da parte Autora.

Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2010.



CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA

Juíza Federal Convocada – Relatora

Nenhum comentário: