quarta-feira, 23 de maio de 2012

Decisão da 8ª Turma do TRF da 2ª Região sobre Laudêmio em Vitória, Espírito Santo

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:
DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA
APELANTE
:
UNIAO FEDERAL
APELADO
:
EDSON DE ALMEIDA QUINTAES E OUTRO
ADVOGADO
:
ANTONIO CARLOS PIMENTEL MELLO E OUTROS
REMETENTE
:
JUIZO FEDERAL DA 3A VARA-ES
ORIGEM
:
TERCEIRA VARA FEDERAL DE VITÓRIA (9600001138)





RELATÓRIO



1- Trata-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da r. Sentença de fls. 192/205 que, reconhecendo a plenitude da propriedade dos Impetrantes, EDSON DE ALMEIDA QUINTAES e NELSON ANDRADE DE SALDANHA, julgou procedente a pretensão mandamental para anular as inscrições dos imóveis levadas a efeito junto à Secretaria de Patrimônio da União, D.P.U/E.S, bem como os atos de lançamentos das respectivas “Taxas de Ocupação”.



2- Observa-se que a UNIÃO vinha cobrando dos Apelados “taxa de ocupação”, conforme se deflui das fls. 14/17 e 35/36, referentes aos imóveis descritos respectivamente às fls. 18/23 e 37/40, cobrança esta indevida, segundo os Apelados, por constar no Registro Geral de Imóveis, (fls. 23 e 39/40), seus nomes enquanto respectivos proprietários dos referidos imóveis.



3- O primeiro Apelado – Edson de Almeida Quintaes – acostou aos autos (fls. 24/28), certidão de cadeia vintenária e transcrição das transmissões do respectivo imóvel desde o ano de 1895. O segundo Apelado – Nelson Andrade de Saldanha – juntou às fls. 42, certidão de remição de foro.



4- Em razões de apelação, a UNIÃO alegou o não cabimento do litisconsórcio ativo, bem como a não possibilidade de utilização da via mandamental, face à ausência de direito líquido e certo. No mérito, arguiu que a propriedade dos terrenos de Marinha, no Brasil, sempre foi dada pela legislação, à União ou à Colônia, dependendo do período histórico considerado.



5- Não houve apresentação de contrarrazões.



6- Em Parecer de fls. 242/245, o  Parquet  Federal opinou pela confirmação da r. Sentença.



7- É o relatório. Peço dia.



Rio de Janeiro,  05 outubro de  2009.







RALDÊNIO BONIFACIO COSTA

RELATOR



V O T O   C O N D U T O R



Inicialmente, peço licença para transcrever, relatório, e voto do Relator originário:



“1- Trata-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da r. Sentença de fls. 192/205 que, reconhecendo a plenitude da propriedade dos Impetrantes, EDSON DE ALMEIDA QUINTAES e NELSON ANDRADE DE  SALDANHA, julgou procedente a pretensão mandamental para anular as inscrições dos imóveis levadas a efeito junto à Secretaria de Patrimônio da União, D.P.U/E.S, bem como os atos de lançamentos das respectivas “Taxas de Ocupação.”

2- Observa-se que a UNIÃO vinha cobrando dos Apelados “taxa de ocupação,”, conforme se deflui das fls. 14/17 e 35/36, referentes aos imóveis descritos respectivamente às fls. 18/23 e 37/40, cobrança esta indevida, segundo os Apelados, por constar no Registro Geral de Imóveis, (fls. 23 e 39/40), seus nomes enquanto respectivos proprietários dos referidos imóveis.

3- O primeiro Apelado - Edson de Almeida Quintaes - acostou aos autos (fls. 24/28), certidão de cadeia vintenária e transcrição das transmissões do respectivo imóvel desde o ano de 1895. O segundo Apelado - Nelson Andrade de Saldanha - juntou às fls. 42, certidão de remição de foro.

4- Em razões de apelação, a UNIÃO alegou o não cabimento do litisconsórcio ativo, bem como a não possibilidade de utilização da via mandamental, face à ausência de direito líquido  e certo. No mérito, arguiu que a propriedade dos terrenos de Marinha, no Brasil, sempre foi dada pela legislação, à União ou à Colônia, dependendo do período histórico considerado.

Sentença.

5- Não houve apresentação de contrarrazões.

6- Em Parecer de fls. 242/245, o Parquet Federal opinou pela confirmação da r.

7- É o relatório. Peço dia.”



“VOTO:

O EXM° SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTA (RELATOR):

1- Conheço da apelação e da remessa, eis que presentes os requisitos de

admissibilidade.

2- Conforme relatado, cuida-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da r. Sentença de fls. 192/205, que, reconhecendo a plenitude da propriedade dos Impetrantes, EDSON DE ALMEIDA QUINTAES e NELSON ANDRADE DE SALDANHA, julgou procedente a pretensão mandamental para anular as inscrições dos imóveis levadas a efeito junto à Secretaria de Patrimônio da União, D.P.U/E.S, bem como os atos de lançamentos das respectivas "Taxas de Ocupação.”

3- Na peça exordial o primeiro Impetrante argumentou, em suma, que: a) o impetrante é legítimo proprietário de terreno e respectivas benfeitorias localizado na rua Maria de Penha Quiroz, s/n°, Praia da Costa, Vila Velha/ES, com área de 390,61 m2, conforme Escritura de Compra e Venda, pactuada em 31.12.80 com Direção Empreendimentos Imobiliários Ltda; b) como demonstram a certidão vintenária da cadeia dominial, expedida pelo C.R.I de Vila Velha e respectivas certidões de transmissões, foi possível constatar origem desde 13.10.1895, com averbação posterior em 07.10.1927; c) mesmo assim, foi o impetrante notificado a pagar a taxa de ocupação relativa ao terreno, como se de marinha ou acrescido fosse, sem embargo de que a metragem de que se valeu o SPU é equivocada; d) a inscrição administrativa de terrenos como sendo de marinha depende da devida regulamentação, ainda inexistente, do disposto no § 3º do art. 49 da ADCT, máxime a fim de especificar o que se entende por “faixa de segurança, a partir da orla marítima;”  e) o Decreto-lei n° 9.760/46 não foi integralmente recepcionado pela Carta Magna de 1988, de molde que a inscrição compulsória no cadastro dos ocupantes de terrenos da União infringe o direito ao contraditório e a garantia da ampla defesa; f) conclui, assim, pela nulidade absoluta dos atos administrativos relativos à demarcação e inscrição de ofício do impetrante como ocupante de terreno de marinha; g) a escritura pública e sua respectiva transcrição no RGI assumem presunção de validade, até prova em contrário; h) o impetrante não foi notificado acerca da demarcação de seu lote como terreno de marinha, nem pessoalmente, nem por via editalícia, conforme deveriam ter sido, nos termos dos arts. 11 a 13, do Decreto-lei n° 9.760/46.

4- Em petição de fls. 32/33, NELSON ANDRADE DE SALDANHA requereu  seu ingresso no feito na qualidade de litisconsorte facultativo, anexando os documentos de fls. 34/43, o que restou deferido às fls. 45. Sustentou o referido litisconsorte, ora impetrante, que o seu imóvel situa-se na mesma região daquele pertencente ao primeiro impetrante, tendo sido adquirido através do Município de Vila Velha, através de remissão de foro.

5- A UNIÃO interpôs Agravo de Instrumento, conforme se depreende da decisão de fls. 86, na égide da lei processual anterior.

6- Interpôs a UNIÃO, junto a esta Eg. Corte, na égide da nova lei, Agravo de Instrumento quanto ao Impetrante NELSON ANDRADE DE SALDANHA, proc. n° 96.02.16198-9, apensado ao presente feito.

7- A UNIÃO interpôs, ainda, junto a esta Eg. Corte, o Agravo de Instrumento, já na égide da nova lei, em face do Impetrante NELSON ANDRADE DE SALDANHA (Apelação Cível n° 96.02.16198-9 - apensada ao presente).

8- Em razões de apelação, a UNIÃO alegou o não cabimento do litisconsórcio ativo, uem como a não possibilidade de utilização da via mandamental, face à ausência de direito líquido e certo. No mérito, arguiu que a propriedade dos terrenos de Marinha, no Brasil, sempre foi dada pela legislação, à União ou à Colônia, dependendo do período histórico considerado.

9- O recurso não merece prosperar.

10- No presente caso, é irrepreensível a r. Sentença da lavra do Eminente Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Dr. MACÁRIO RAMOS JUDICE NETO, cujos fundamentos adotam-se como razões de decidir, in verbis:

“(...)

A questão subjacente a este Mandado de Segurança é, apenas, aparentemente complexa. A gravidade e a importância residem, justamente, no aspecto social envolto, com repercussão na seara privada de cada administrado em face do Poder Público.

Destacaria, também, que, muito embora se questione um determinado ato administrativo, ora acoimado de inconstitucional e ilegal, a matéria inerente à causa de pedir próxima e remota reverbera, necessariamente, no direito civil e na Constituição Federal, em especial, nas normas afetas ao direito de propriedade, ao respectivo título translativo e à sua aquisição.

Daí porque exsurgem as conotações civil e constitucional para a adequada análise da matéria.

Portanto, deve-se ter sempre em mente toda a doutrina e todos os princípios acerca do direito de propriedade, desde a era romana, atentando-se, ainda, para os diversos sistemas (germânico, francês e o brasileiro – quase germânico).

Ocorre que, antes de adentrar no âmago da “quaestio iuris.”  faz-se mister e necessária a correção dos pontos em debate, a fim de estabelecer a devida adequação do “writ .”

Da correção dos pontos da “quaestio iuris” e da adequação do Mandado de Segurança, tendo em vista o ato da Autoridade Impetrada.

 Em primeiro, o fato de haver recurso administrativo da decisão da Autoridade Impetrada não impede esta sede, como fundamento constitucional A propósito, a jurisprudência é uníssona, pelo que não merece maiores delongas. Ademais, dois outros fatores infirmam a alegação sob esse prisma, quais sejam: a inexistência de efeito suspensivo, uma vez que o documento de fls. 17 está a evidenciar, a partir do seu vencimento em 28.12.95, bem como não há prova nos autos do recurso administrativo interposto.

Em segundo, equivoca-se a Autoridade Impetrada em sua conclusão preliminar sobre a inadequação desta sede, em especial, ser indevido o Mandado de Segurança para se examinar a questão afeta à propriedade imobiliária dos impetrantes, em face daquela alegada pela União.

É cediço que os angustos limites da ação de Mandado de Segurança não permitem dilação probatória, porquanto se exige prova pré-constituída, exclusivamente documental.

Todavia, a hipótese dos autos não está a exigir provas outras (testemunhai e técnica).

Em verdade, pretendem os impetrantes opor à União, exatamente, a força jurídica de seus respectivos títulos de propriedade. Estes, uma vez prevalecendo, infirmarão, em tudo e por tudo, a alegada propriedade da União e, conseqüentemente, o ato administrativo questionado, qual seja: a inscrição dos respectivos imóveis dos impetrantes como terreno de marinha, a ensejar a cobrança da “taxa de ocupação.”

Isso porque o ato do Poder Público é incompatível com os títulos de domínio apresentados. A prevalência daquele significa o próprio reconhecimento da propriedade da União sobre os imóveis em questão, em detrimento dos títulos dos impetrantes, os quais, a persistir a conduta administrativa, passarão a ser um “nihil.”

Esse exame, à luz do Ordenamento Jurídico e do próprio Sistema que alberga, não reclama outras provas além daquelas já constantes destes autos, em especial os títulos de domínio, respectivas certidões do Cartório Imobiliário e os documentos inerentes à cobrança da “taxa de ocupação (vero ato administrativo impugnado).

Com clareza meridiana, conclui-se pela adequação da via do Mandado de Segurança, sendo, pois, satisfatória a impetração para, especialmente, declarar-se a nulidade do ato impugnado e desconstituir-se o lançamento da cobrança da “taxa de ocupação” sobre os imóveis dos impetrantes, mediante o reconhecimento, “incidenter tantum,” de sua propriedade e a correspondente validade e eficácia dós seus títulos, oponíveis, inclusive, à União.

Para se decidir a respeito, basta a análise dos títulos e, portanto, são suficientes as provas dos autos.

Da prova documental e dos títulos de propriedade Os impetrantes sustentam a condição de legítimos proprietários dos terrenos relativos aos imóveis sitos na Praia da Costa, Vila Velha/ES, local historicamente conhecido como “Sítio da Costa”. Como prova, fizeram anexar aos autos a competente prova documental de seu domínio imobiliário, a saber:

A) Impetrante: EDSON DE ALMEIDA QUINTAES – Casa "M", do Bloco "C", situada no lote 13, no Parque das Castanheiras, com as seguintes características: dois quartos, uma suíte, um hall e um íntimo com piso de frizo, dois W.C,  sendo um social e um íntimo, uma cozinha com piso de cerâmica e azuleijos até o teto, dependência de empregada, com W.C, uma varanda piso de lajotão, uma área de serviço piso de cerâmica, com área de construção de 185,26 m2 e o respectivo terreno com 390,61 m2, confrontando-se pela frente com a rua Espírito Santo; outra frente com a rua Piratininga; por um lado com o lote n° 14 e fundos com o lote n° 14 e fundos com lote 12, conforme consta da Certidão do Registro Geral (Cartório do 1º Ofício de Vila Velha), livro 02-BU,fls. 212, matricula nº 17.805 e registro n° 1.17.805 (fls. 23);

B) Impetrante: NELSON DE ANDRADE SALDANHA - imóvel constituído por dois lotes de terreno oriundos do patrimônio municipal, sito na rua Rio Branco, na Praia da Costa, com áreas de 327,25 m2 e 352,50 m2, lotes 01 e 02, perfazendo uma área total de 679,75 m2, confrontando-se pela frente com a referida rua; nos fundos com o lote n° 03; e aos lados com a Rua Rio Branco e Avenida Vitória, conforme consta da Certidão do Registro Geral (Cartório do 1° Oficio de Vila Velha), Livro 03-AS,fls. 80, matrícula n° 22.631 e registro n° 1-9-078 (fls. 40), com as construções referidas na certidão municipal de fls. 43.

Depreende-se, ainda, quanto aos documentos anexados pelo primeiro impetrante, ou seja, da Certidão do Cartório Imobiliário (Cartório do 1° Oficio de Vila Velha e Cartório da lº Zona de Registro Geral de Imóveis e Registro de Torrens de Vitória), que o imóvel, por sua cadeia de continuidade registrai, origina-se das glebas de terras apontadas na Certidão de fls. 28, remontando a 1927 e, dai em diante, a 1895, consoante Certidão de fls. 24/27.

Assim, sobressai de toda a cadeia dominial, inclusive, reverberando em época anterior ao Código Civil Brasileiro, não ter figurado a União, em quaisquer passagens, como “dominus” da_referida Gleba, ou de parte dela dp. onde se desmembrou o lote (imóveis) do primeiro impetrante.

Quanto ao segundo impetrante, a questão é distinta, todavia, não alterará a conclusão. É que, anteriormente ao resgate retratado às fls. 42, em 18.10.85, o referido impetrante somente possuía o domínio útil, sendo que o domínio direto competia ao Município de Vila Velha; ou seja, a municipalidade era foreira. Havia o regime da enfiteuse, ocorre que em face do Município, e não da União, pelo que jamais se pode considerar o referido imóvel submisso ao DL n° 9.760/46, mas, ao revés, às regras do Código Civil.

Como visto, atualmente, o segundo impetrante possui o domínio pleno pelo resgate do foro.

Portanto, para efeito do que se pretende neste Mandado de Segurança há uma prova robusta e, até então, inequívoca, do domínio pleno dos impetrantes sobre os respectivos imóveis acima descritos.

Da propriedade Imóvel, sua aquisição, transmissão e a presunção que deriva do título.

A propriedade é, efetivamente, um direito absoluto.

Nesse ponto, equivoca-se o ilustre membro do “parquet” ao atribuir-lhe cunho de relatividade, nas estreitas lições, já vencidas, do civilista Josserand.

É absoluto porque é oponível “erga omnes”, ou seja, a toda a coletividade. No entanto, é cediço que a rigidez do direito de propriedade - matriz dos direitos reais - é atenuada por certas limitações constitucionais, em virtude de sua função social. Apesar dessa vertente, por força da evolução pela qual passou o instituto, não há como sustentar a relatividade do direito real, cuja regra, ainda reinante, é de ser um direito absoluto, porém, sujeito às limitações de ordem pública, “tendentes a coibir abusos e tendo em vista impedir que o exercício do direito de propriedade se transforme em instrumento de dominação” (c.f, Caio Mário da Silva Pereira, In “Instituições de Direito Civil,” 9ª  ed, Ed. Forense, p. 67.

As dificuldades de definir o conceito do direito de propriedade são tantas que o Código Civil Brasileiro, há quase um século, preferiu, com razão, em seu art. 524, apenas enunciar o seus poderes (atributos): “ius utendi, fruendi et abutendi.”  Eis a dicção do art. 524, do CCB:

“Art. 524 - A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.”

Por sua vez, a aquisição da propriedade exige três pressupostos  para que tal ocorra: a) pessoa capaz de adquirir; b) coisa suscetível de ser adquirida e c) um modo de adquirir.

Dos títulos exibidos, como efeito de sua presunção iuris tantum, abstraem-se todos os pressupostos de validade das aquisições no tempo, os quais sequer se vêem elididos pelas alegações da Autoridade Impetrada, diga-se de passagem, genéricas.

A aquisição da propriedade pode ser originária ou derivada.

“In casu”, as aquisições das respectivas propriedades imóveis, ora objeto dos lançamentos das correspondentes “Taxas de Ocupação”, deram-se de forma originária. E, assim, em um determinado período, a titulo universal (sucessio in universum ius) e, em outros, a título singular (sucessio in rem) - art. 172, da Lei n° 6.015/73.

No entanto, não há nos títulos de propriedade qualquer mácula, a induzir pela ocorrência de ilegalidades nas transmissões que se sucederam através dos tempos.

Assim, conclui-se que o direito liquido e certo subjacente a esta sede é corolário lógico do direito de propriedade dos impetrantes, o qual desperta da qualidade dos títulos ora exibidos.

Da Ordem e do Sistema Jurídicos inerentes ao direito de propriedade, a partir da Constituição Federal e da Lei federal.

 A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso XXII, garante o direito de propriedade, com o “status” de cláusula pétrea.

“Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

XXII - é garantido o direito de propriedade.”

Enquanto isso, o Código Civil a desenvolve. E nesse desenvolver, assegura ao proprietário os poderes elencados no art. 524, do CCB, acima destacado.

Como se não bastasse, o art. 525, da Lei Civil, diz, textualmente:

“É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada quando têm ônus real, ou é resolúvel.”

Conjugando-se as disposições dos transcritos arts. 524 e 525, do CCB, com os títulos de domínio exibidos nesta sede, conclui-se pela plenitude do direito de propriedade dos impetrantes.

Não há sequer o regime da enfiteuse capaz de limitar o domínio, subdividindo-o em domínio útil e domínio direto, este reservado à União.

Havia esse regime quanto ao segundo impetrante e em face do Município de Vila Velha, nos termos do Código Civil. Atualmente, o foro encontra-se resgatado, conforme salientado na página 05 desta sentença.

Portanto, não há como se admitir um precário direito de ocupação, porque incompatível com a qualidade dos títulos, cuja presunção “iuris tantum” não se vê afastada.

Essa presunção em favor dos impetrantes é forte, decorre da Lei Civil e do Sistema Jurídico, inclusive, com garantia constitucional.

Portanto, não há como se admitir uma presunção iure et iure em favor da União, porque, certamente, ofenderia o Sistema, além do que não se pode concluir em tal sentido, a partir do Decreto-lei n° 9.760/46, como se examinará mais adiante.

A propósito, eis o teor do disposto no art. 527, do CCB, “in verbis.”

“Art. 527-0 domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário.”

Corroborando a linha sistemática seguida e perfilhada neste “decisum,”  o § 1° do art. 134, do CCB, é elucidativo, a saber:

“A escritura pública lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, e, além de outros requisitos previstos em lei especial, deve conter...”

Na mesma linha, destaca-se o art. 859, do CCB:

“Art. 859 - presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu.”

Igual força têm, os contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, “ex vi”  do 61, §  5º, da Lei n° 4.380/64.

Como se não bastasse, a Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73), em seus arts. 227, 233 e 252 reforçam, ainda mais, a garantia do direito de propriedade, uma vez levado a registro o respectivo título de aquisição, com observância das formalidades legais.

O art. 227 da Lei n° 6.015/73 exige, para a segurança jurídica, que todo imóvel objeto de título a ser registrado, deve estar matriculado no Livro n° 2 (Registro Geral), com as observâncias do art. 176, na respectiva Serventia (CRI).

O art. 233, dispõe que a matricula somente será cancelada:

“I - Por decisão Judicial;

II - quando, em virtude de alienações parciais, o imóvel for inteiramente transferido a outros proprietários;

III- pela fusão, nos termos do artigo seguinte.”

Por sua vez, em toda matrícula imobiliária, à luz da Lei de Registros Público, exige-se que, no seu âmbito, sejam efetuados os “registros” inerentes às operações imobiliárias (art. 236). Nesse diapasão, o art. 252, reforçando a força dos títulos que embasam os registros e a sua segurança, disciplina que:

“O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.”

Destaca-se, ainda, que a decisão aludida pelo inciso I, do art. 233, da Lei n° 6.075/73, é aquela sob o manto da coisa julgada, conforme dispõe o art. 259, “inverbis”:

“O cancelamento não pode ser feito em virtude de sentença sujeita, ainda, a recurso.”

Sem rebuços, todos os dispositivos citados demonstram a força decorrente do direito de propriedade e a segurança jurídica impostas às relações imobiliárias, o que, data vênia, é incompatível com a conduta da Autoridade Impetrada, a qual, por ato seu, pretende inviabilizar todo o Sistema Jurídico e seus respectivos subsistemas de normas.

A União, por ato da Autoridade Impetrada, não pode simplesmente valer-se do texto literal do Decreto-lei n° 9.760/46 e, em conseqüência, negar validade aos títulos dos impetrantes e eficácia à sua força probante, decorrente dos registros imobiliários. Estes, aliás, estão no mundo jurídico, portanto são existentes, válidos e eficazes, até. que, por decisão, com trânsito em julgado sejam declarados inexistentes, nulos e/ou ineficazes; ou, então, sejam, “incidenter tantum”, tidos como tais para efeito de se acolher uma demanda reivindicatória em seu favor, exceto se não houver uma cumulação de pedidos específicos acerca dos títulos.

Sem dúvida, afastar, unilateralmente, a presunção “iuris tantum” que milita favoravelmente aos impetrantes, a partir de seus respectivos títulos de propriedade, ofende a Constituição e possibilita negar vigência aos dispositivos de lei federal citados nesta sentença.

A doutrina civilista é uníssona. Sobre o tema, eis as lições de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, cuja doutrina é das mais respeitáveis, a saber:

“Uma vez efetuada a matrícula, ou a inscrição de título constitutivo de algum direito diverso da propriedade, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se registrou o inscreveu (Cód. Civil, art. 859). E a propriedade considera-se adquirida na data da apresentação do título a registro (art. 534), ainda que entre a prenotação no protocolo e o registro haja decorrido algum tempo.

Trata-se, obviamente, de uma presunção iuris tantum, diversamente do que se passa no direito alemão, uma vez que para nós o registro não tem caráter de negócio jurídico abstrato.

O que se deve inferir é que, se considera dono quem figura registro como titular do direito, assim deve ser tratado enquanto se não cancelar ou anular, uma vez que o registro é ato causal, e se não cancelar ou anular, uma vez que o registro é ato  causal, e exprime a sua força na dependência do negócio jurídico subjacente.

Embora lhe falte o caráter de presunção iure et de iure, a importância  do registro é fundamental na organização jurídica da propriedade brasileira brasileira, não somente porque a lei proclama o registro como causa determinante da aquisição da propriedade, como, ainda, porque não se infirma o registro por autoridade do seu oficial, porém há de resultar de uma sentença judicial proferida em processo contencioso, no qual se reconhecerá ao réu a mais ampla defesa.” (In, “Instituições de Direito Civil”, Vol. IV, 9ª  ed, Ed. Forense, p. 93)

Dentre os efeitos do registro destacam-se os: da publicidade, da legalidade e da força probante. O primeiro, no sentido de que é por ele que qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, toma conhecimento das vicissitudes por que passa o imóvel, com a finalidade de tornar conhecido o direito de propriedade e, eventualmente, as suas limitações. O segundo, atende a que se o oficial efetuou o registro, foi porque nenhuma irregularidade extrínseca ou intrínseca lhe ocorreu do exame do título. O terceiro, está em demonstrar que o registro indica o titular do direito real, e institui a presunção “iuris tantum” de que, enquanto assim constar, deve ser tratado como tal, aliada à presunção de conhecimento por terceiros, dos atos inscritos (c.f CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., p. 94).

É importante insistir na idéia de um Direito unívoco e de um Sistema harmônico.

O Direito é um todo; um Sistema.

Sistema Jurídico significa o conjunto de regras e relações jurídicas que convergem para um ponto comum; conjunto esse que reclama seja bem compreendido em prol da harmonia necessária entre as normas integrantes do próprio Sistema.

Como observou Kelsen, as normas jurídicas postam-se em posição de subordinação e de coordenação, integrando a chamada “hierarquia das normas jurídicas.” As primeiras fundamentam e dão suporte de legalidade às segundas. Estas, no mesmo nível, cumprem revelar a harmonia no sentido de que se integram, formando a unidade.

Assim, as normas constitucionais, por integrarem o Ordenamento Jurídico com “status” de norma fundamental, colocam as demais normas infraconstitucionais em posição de subordinação aos seus comandos.

Daí, porque, a Constituição fixa os princípios básicos de qualquer ordem jurídica, e, assim, não se pode raciocinar sobre qualquer instituto jurídico desprezando a lei fundamental.

Nesse diapasão, vale ressaltar a existência de dois subsistemas: um constitucional; outro infraconstitucional que, ao final, em harmonia, integram um único Sistema de normas.

Tem-se, então, de um lado, um subsistema integrado pelas normas veiculadas pelos incisos XXII, LIV do art. 5º, art. 20, VII e art. 26, II, da Constituição Federal; e de outro, um subsistema entre os dispositivos de leis federais (arts. 134, § 1º; 524; 525; 527; 756; 809, IV, do CCB e arts. 227; 233 e 252, da Lei n° 6.015/73). Ambos merecem interpretação harmônica e, por isso, conjunta, em favor da unidade Sistema que integram, vinculando a recepção dos textos normativos, em especial, aqueles do Decreto-lei n° 9.760/46 e, por óbvio, a interpretação a ser dispensada pelo Operador do Direito.

A propósito dos argumentos da Autoridade Impetrada, lançados por ocasião das informações, entendo não decorrer do art. 20, VII, da Constituição, qualquer presunção “iure et iure” de que os imóveis registrados em nome dos impetrantes pertencem à União.

Em primeiro, porque somente uma decisão judicial, com trânsito em julgado, apresentar-se-á como hábil a afastar os efeitos dos títulos registrados no CRI.

Em segundo, não há prova contundente a seu favor, ineludível, de que os imóveis em epígrafe estejam situados na faixa considerada como de marinha. Ademais, essa questão deve ser examinada por demanda judicial, posta pela União, onde se assegurará o princípio da ampla defesa aos jurisdicionados devidamente citados, enquanto corolário lógico do devido processo legal, que se desdobra em “substantive due process” e “procedural due process.” O primeiro respeita à trilogia LIBERDADE - VIDA – PROPRIEDADE; enquanto o segundo trata das garantias procedimentais que envolvem a disputa dos bens jurídicos destacados no aspecto substancial da máxima.

Em terceiro, porque se pretende perpetuar uma linha de “preamar” média de 1831, traçada somente em agosto de 1968, mediante um procedimento administrativo viciado, ou seja, nulo de pleno direito. E por que viciado? Responde-se: Viciado porque a autoridade impetrada exibe, apenas, um mapa de dificílima compreensão sobre as bases de seu ponto de partida, além de cópias de editais com apenas nomes de ruas, sem base científica convincente.

Tal procedimento, diga-se de passagem, sequer foi anexado a estes autos. Portanto, isso não se apresenta suficiente e hábil a destruir a presunção decorrente dos títulos dos impetrantes, os quais esbanjam aparência de legítimos, para o fim de instruir a pretensão mandamental lançada.

Assim, não há a menor prova de que o procedimento tenha seguido os termos da lei, pois, até mesmo, os editais de fls. 58/59 e 101/102 são do ano de 1995 e, não do ano de 1968, quando alega a Autoridade Impetrada ter levado a efeito a demarcação de preamar médio.

O respeito aos títulos dos impetrantes deve ser imposto à Autoridade Impetrada. A própria Constituição Federal, para a hipótese das ilhas oceânicas e costeiras, muito embora não seja o caso dos autos, impõe à União e aos Estados o respeito à propriedade de terceiros, donde se depreende ser falsa, inverídica e desastrosa a afirmação de haver em prol da União uma presunção “iure et de iure.”

Qualquer solução unilateral da União é absurda e fere o Ordenamento e Sistema jurídicos. Nesse pormenor, vale a citação de um memorável acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos mais  respeitados do país, onde se decidiu sobre a impossibilidade de decisões unilaterais dos agentes públicos sobre a propriedade imóvel, apresentando-se aplicável à espécie, guardadas as proporções, “in verbis”:

“REGISTROS PÚBLICOS - REGISTRO DE IMÓVEIS - TRANSCRIÇÕES DERIVADAS - DÚVIDAS – PROCESSO ADMINISTRATIVO - SOLUÇÃO UNILATERAL - NULIDADE DE REGISTRO ANTERIOR.

O conhecimento dos princípios informativos de nosso sistema de registro imobiliário e, principalmente, das dissenções doutrinárias sugeridas pelo tema, mostram que, no caso de transcrições derivadas, qualquer solução unilateral se mostra inadequada.” (Apel. Civ. 265.929, j. 16.12.77, In, Jurisprudência Brasileira, n° 25, p. 167).

Das disposições do Decreto-Lei n° 9.780/46 suscitadas nas informações prestadas pela Autoridade impetrada.

O invocado art. 2°, do Decreto-Lei n° 9.760, bem como o art. 1°, do Decreto-Lei n° 1.561 não são aplicáveis à hipótese dos autos, pois se referem aos terrenos e imóveis efetivamente pertencentes à União, ocupados por terceiros sem o devido, título.

Já o art. 198, do Decreto-Lei n° 9.760/46, refere-se claramente às "pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos", o que, igualmente, não é a hipótese dos autos. Não há qualquer pretensão (material ou processual) dos impetrantes sobre as áreas em epígrafe, justamente porque já são os proprietários, tal como consta dos títulos e registros imobiliários.

Ora, quem na verdade, ao se valer de uma atividade administrativa, lança uma pretensão sobre a área é a União, pela Autoridade Impetrada. Diga-se, de passagem, uma pretensão de direito material, e não processual.

As transações imobiliárias havidas sobre os imóveis dos impetrantes retroagem ao final do século passado, portanto, bem anterior ao Decreto-Lei n° 9.760/46, valendo ressaltar, por oportuno, que todas as Constituições pretéritas, inclusive a de 1891, garantiram o direito de propriedade.

A Carta Magna atual, mesmo que tenha recepcionado a legislação sobre os terrenos de marinha e ilhas oceânicas e costeira, não o fez naquilo que conspira contra o devido processo legal, entendendo-se como compreendido nos seus termos o direito de propriedade, consoante já alinhavado nessas razões de decidir.

Nesse diapasão, veja-se que o art. 10, do Decreto-Lei n° 9.760/46, ao dispor sobre a determinação das linhas de preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias, dispôs, com clareza, que deveria ser feita “a vista de documentos e plantas de autenticidade IRRECUSÁVEL, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, à época que do mesmo se aproxime.”

Essa obediência, a meu ver, não ocorreu. Repita-se, não há nos autos prova contundente desse procedimento. Deveria, pois, a Autoridade Impetrada fazê-la anexar, porquanto o procedimento administrativo é ato de sua competência.

Atento, ainda, ao disposto no art. 11, vejo que as intimações  ("convite" conforme a lei) de todos os interessados certos haveria de ser pessoal. E, assim, no levantamento que deveria levar a efeito, haveria de constar os nomes de tais pessoas, mas não apenas das ruas, como se infere dos editais, cujas cópias se inserem às fls. 101/102. Somente aos interessados incertos dirigir-se-ia a intimação ("convite") via edital.

Preferiu o S.P.U. a via editalicia indistintamente, aproveitando-se de uma má redação da lei. Entretanto, a finalidade, a importância e a repercussão dó ato a ser veiculado estariam a demonstrar a impropriedade da via eleita para cientifwação dos “interessados”. A ilegalidade, a meu ver, é assaz.

Não me convence que o S.P.U, em agosto de 1968, não tivesse conhecimento das pessoas residentes ou dos titulares de títulos sobre os imóveis, uma vez que o Registro de Imóveis sempre esteve ao alcance para atender as suas solicitações e, bem assim, para afastar as suas dúvidas.

A propósito, observe-se o entendimento dos Tribunais:

“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO REALIZADA EM 1961, COM A SOLICITAÇÃO DOS INTERESSADOS MEDIANTE EDITAL. NULIDADE DECORRENTE DA NÃO ESPECIFICAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS COM TÍTULOS DEVIDAMENTE REGISTRADOS (DEC. LEI 9760/46, ART. 11) (AC 0504217, 2- Turma do TRF da 5a Região, Rei. Juiz Lázaro Guimarães, DJU 28.03.90)

Com razão a ponderação veiculada na inicial, nesse mister.

O art. 13 do citado Decreto-Lei, com clareza meridiana, impõe trabalhos topográficos a cargo do S.P.U e, assim, lança uma norma-objetivo vinculando a Administração em empenhar para conseguir documentos.

Para argumentar, tenho a dizer, ainda, que caso houvesse de prevalecer a alegada propriedade da União, jamais seria possível a cobrança da “Taxar de Ocupação”, uma vez que assistiria direito aos impetrantes, nessa remotíssima hipótese, o direito ao aforamento, consoante admite a Autoridade Impetrada. De um modo ou de outro, a ilegalidade da cobrança da “Taxa de Ocupação” é inefável.

Enfim, resta clarividente o direito líquido e certo de os impetrantes preservarem a sua propriedade, lastreada em títulos existentes e válidos, até o momento incontestados judicialmente, com plena eficácia probante, circunstância incompatível com a mera posse, decorrente de uma ocupação precária com fundamento no Decreto-Lei n° 9.760/46.

11 - A corroborar este entendimento está o Douto Parecer do ínclito Procurador Regional da República, Dr. ALCIR MOLINA DA COSTA às fls. 242/245, que peço vênia para transcrever, verbis:

“(...)

Merece ser mantida a r. sentença tão somente pelos motivos, a seguir, expostos.

Indubitavelmente, como bem alega a apelante às fls. 216, “desde o ano de 1500, quando Cabral aportou o Brasil, que a Coroa- de Portugal adquiriu o título originário de posse do território brasileiro. (...) Historicamente, e mesmo depois da Independência, tem a lei admitido apenas o aforamento dos terrenos de marinha (...)”. De fato, os terrenos de marinha, seus acrescidos e as ilhas oceânicas são de propriedade indiscutível da União, desde que esta não os tenha alienado a terceiros pelas formas admitidas pelo Decreto-Lei n° 9760/46, conforme lecionam Maria Sílvia Di Pietro e Hely Lopes Meirelles. A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 4°, inciso II, já versava nesse sentido, e a Carta Magna de 1988 confirmou esta regra, em seu art.26, II (e art.49, ADCT), de modo que o domínio direto dos imóveis situados na faixa delimitada a partir da Linha de Preamar Médio de 1831 pertence à União Federal.

No mérito, valeria ressaltar dois pontos, a saber:

1) O documento intitulado "Transcrição das Transmissões”, acostado às fls. 25/27, comprova que Edson de Almeida Quintaes adquiriu do Estado do Espírito Santo o imóvel descrito no item 5 às fls. 26v. Portanto,  deve-se verificar a que título os mesmos foram alienados. Hely Lopes Meirelles cita em sua obra intitulada Direito Administrativo Brasileiro algumas modalidades de alienação, dentre as quais, a venda, a doação, a dação em pagamento, a investidura, a legitimação de posse ou concessão de domínio. Versa, ainda, o seguinte:

“Qualquer dessas formas de alienação pode ser utilizada pela Administração, desde que satisfaça às exigências administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisitos do instituto específico. Em princípio, toda alienação de bem público depende de lei autorizadora, de licitação e de avaliação da coisa a ser alienada, mas caso há de inexigibilidade dessas formalidades por incompatíveis  com a própria natureza do contrato.

 (..) A alienação de bens imóveis está disciplinada, em geral, na legislação própria das entidades estatais, a qual, comumente, exige autorização legislativa, avaliação prévia e concorrência, inexigível esta nos casos de doação, permuta, legitimação de posse e investidura, cujos contratos, por visarem pessoas ou imóvel certo, são incompatíves com o procedimento licitatório. Cumpridas as exigências legais e administrativas, a alienação de imóvel público a particular se formaliza pelos instrumentos e com os requisitos da legislação civil (escritura pública e transcrição no registro imobiliário)”

2) Nelson de Andrade Saldanha adquiriu o domínio útil do imóvel descrito às fls. 39/40, cujo domínio direto pertencia, à época, ao Município de Vila Velha. Entretanto, conforme comprova fls.42, a Prefeitura Municipal deferiu o resgate do aforamento requerido por Nelson.

Entretanto, no caso em tela, faz-se desnecessária a análise meritória, posto que não foi obedecido, no processo administrativo, o princípio constitucional do regular contraditório (art. 5º, LV, CF) ou, pelo menos, não restou devidamente comprovada, nos autos, a obediência ao mesmo. Assim versa o referido dispositivo constitucional, verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; “Bastarnos-ia, portanto, basearmo-nos neste preceito constitucional para considerarmos nulo o referido processo administrativo. No entanto, até mesmo o Decreto-Lei n° 9760/46, muito embora anterior à Constituição Federal de 1988, já exigia, tacitamente, em seu artigo 11 segs., que o processo administrativo de demarcação dos terrenos de marinha respeitasse o contraditório. Assim podemos concluir, face ao que versam os dispositivos os quais transcrevemos abaixo:

“Art. 11 - Para a realização do trabalho, o SPU convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.”

“Art 13- De posse desses e outros documentos que se esforçará por obter e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o Chefe do órgão local do SPU determinará a posição da linha em despacho de que por edital com o prazo de 10 (dez) dias dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações.

 No caso em tela, podemos observar, cf. fls. 57/59, que foi devidamente obedecido o que dispõe o art. 13 transcrito acima. No entanto, os autos não trazem qualquer comprovante de que tenha sido observado o que determina o art. II, o qual, vale ressaltar, interpretamos de acordo com o que expõe o Mm. juiz a quo em sua r. sentença, às fls. 204, verbis:

(...)

Seguindo este entendimento, encontramos sábia jurisprudência, a saber:

Ementa:

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO REALIZADA EM 1961, COM A CITAÇÃO DOS INTERESSADOS MEDIANTE EDITAL. NULIDADE DECORRENTE DA NÃO ESPECIFICAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS COM TÍTULOS DEVIDAMENTE REGISTRADOS (DEC LEI 9760/46. ART. 11). APELO PROVIDO.

Informações da Origem:

TRIBUNAL/TR5 ACÓRDÃO RM05001615 DECISÃO:20-02-1990 PROC: AC NUM0504217 ANO:90 UF.PE TURMA: 02 REGIÃO: 05 APELAÇÃO CÍVEL

Fonte: Publicação: DOE DA TA:28-03-90

Relator:

JUIZ:508 -JUIZ LÁZARO GUIMARÃES

Decisão:

UNANIME.

Assim, diante dos motivos acima expostos, somos pela concessão da segurança, mantendo-se, portanto, a r. sentença, tão somente pela ausência de provas nos autos que confirmem a obediência ao regular contraditório na via administrativa.

(...)”

12- Sobre a matéria traz-se à baila Arestos desta Colenda Corte, in verbis:

A) ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO. NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA. IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL.

1-) Rejeitadas as alegações de decadência e de prescrição, na medida em que o argumento aduzido encontra-se afeto ao mérito da ação.

2-) Ação proposta com vistas à anulação de cadastramento na Secretaria de Patrimônio da União, de imóveis de propriedade do autor, localizados no bairro Praia da Costa, Vila Velha, no Espírito Santo, argumentando ele ser possuidor de títulos de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial.

3-) De fato, a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1º , do artigo 134 do Código Civil de 1916, e uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, artigo 859).

4-) Acresce que a União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei n° 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a títulos de domínio do autor, atributos estes que só poderão ser afastados por decisão judicial que os declare nulos ou inexistentes. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dele a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos.

5-) Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61 §§ 1º e 2º, do Decreto lei n° 9.760/46, tem-se por inobservadas as exigências do devido processo  legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna.

6-) Apelação e remessa improvidas.

(TRF 2a Região. AC 2003.50.01.006277-1, Quinta Turma Especializada,

Rei. Des. Fed. ANTÔNIO CRUZ NETO, DJU 16/07/2009, pág. 179)

B) ADMINISTRA TIVO - DIREITO DE PROPRIEDADE – TERRENOS DE MARINHA - IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE PARTICULAR - TAXA DE OCUPAÇÃO.

I "Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação". O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção. Inteligência dos artigos 9º e seguintes do Decreto-Lei 9760 e seu cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior. " (AMS 98.02.37472-5, 2" Turma, TRF-2, Relator Juiz Guilherme Couto de Castro)

II - Apelação e remessa improvidas.

(TRF 2ª Região. AMS 2002.50.01.008803-2,Rel. Des. Fed. CASTRO AGUIAR, Segunda Turma, DJU 13/07/2004, pág. 155)

C) ADMINISTRATIVO - TERRENO DE MARINHA - TAXA DE OCUPAÇÃO - TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO - NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA - IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL - DEPÓSITO JUDICIAL DOS VALORES QUESTIONADOS - AUTORIZAÇÃO.

I-Ea autora possuidora de título de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial. É que a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § lodo art. 134 do Código Civil de 1916 (art. 215 do CC de 2002) e, uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, art. 859).

II - A União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei n° 9. 760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a títulos de domínio do autor, atributos esses que só poderão ser afastados por decisão judicial que os declare nulos ou inexistentes.

Enquanto isto não ocorre, milita em favor dele a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos.

III - Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei n° 9.760/46, têm-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna.

IV - Acresce que, por força da alteração introduzida no artigo 20, inciso IV, da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional n° 46/2005, restaram excluídas do domínio da União as ilhas costeiras que contenham sede de Município. Note-se que, em decorrência dessa modificação, o STF vem decidindo pela ilegitimidade da União para contestar, em ação de usucapião, o domínio de terrenos situados na ilha de Santa Catarina, onde sediado o Município de Florianópolis. Nesse sentido: RE 596.853/SC, Min. Ricardo Lewandowski DJ de 02/03/2009 e RE 34.1140/SC, Min. Sepúlveda Pertence DJ de U/11/2005.

V- Apelação e remessa necessária improvidas.

(TRF 2ª Região. AC 2003.50.01.014847-l/RJ, Quinta Turma

Especializada, Rei. Juiz Fed. Conv. MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA, DJU 30/06/2009, pág. 89)

13- Por tais razões, nego provimento à apelação e à remessa necessária, confirmando a r. Sentença de Primeiro Grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

14- É como voto.”



Divirjo, d.m.v., da orientação, em epigrafe, eis que, a meu juízo, corretas as ponderações recursais da União, verbis:



“(...)

10. Os impetrantes tiveram por escopo eximir-se do pagamento de taxa de ocupação que lhes fora cobrado pela Secretaria do Patrimônio da União, e, ainda, anulação de inscrição porventura existentes na SPU, relativas aos terrenos situados, respectivamente, na rua Maria da Penha Queiroz, com 390,61 m2 e rua Rio Branco, com 679,75 m2, ambos na Praia da Costa, município de Vila Velha/ES.

11. Para sustentação de seus pedidos trouxeram os Impetrantes argumentos, em sede de Mandado de Segurança, que não espelham qualquer direito, nem líquido, nem certo, pressupostos básicos para a postulação exigidos em patamar constitucional.

12. Todas as colocações do Magistrado desenvolvidas a respeito dos registros em geral, como um direito absoluto (incluindo os apresentados pelos Impetrantes), seus efeitos, presunção “iuris Tantum” deles decorrentes, incluindo, enfim, que, pela só existência desses registros garantida está a “plenitude do direito de propriedade dos impetrantes...”, convergem para o fato incontroverso de que desde épocas imemoriais, bastante anteriores ao Código Civil, já vigia a legislação dos terrenos de marinha que determinavam pertencer primeiro à Coroa e  finalmente à União tais terrenos. A esse fato o julgador não inprimiu qualquer valoração quando de sua decisão, embora patenteado esteja que tal fato vem contrariar seus próprios argumentos constituídos no sentido de que a  conduta das autoridade Impetrada praticou ofensa à Lei Civil e ao Sistema Jurídico Brasileiro.

13. Ignorou o ilustre Magistrado que nem a legislação lusitana, nem a brasileira, jamais permitiram a dominialidade particular sobre os terrenos de marinha. Vales transcrever, por elucidativo, excerto do parecer da PFN/RJ no processo 1768.013.326/83-08:

“Como se sabe, desde o ano de 1500 quando Cabral aportou ao Brasil, que a Coroa de Portugal adquiriu o titulo originário de posse do território brasileiro. Daí, como bem assevera Afrânio Carvalho:

Investido desse senhorio, o descobridor, por meio de doações, feitas em cartas de sesmarias, primeiro pelos donatários das capitanias, depois pelos governadores e capitães-gerais, começou a destacar do domínio público os tratos de terras que viriam a constituir o domínio privado (Registro de Imóveis, Forense, 2ª ed., 1977, pág. 11).”

Mas, já a Ordem Régia de 21 de outubro de 1710 tinha por comando a proibição de translação do domínio pleno dos terrenos de marinha que, assim, ficaram expressamente excluídos de concessões pelas Cartas de Sesmarias, porque livres  deveriam ficar para o serviço do Rei.

Historicamente, o mesmo depois da Independência, tem a lei admitido apenas o aforamento dos terrenos de marinha, para que o Decreto nº 22.785 de 31/05/33 com força de lei porque baixado pelo Governo Provisório em moemnto de hiato político institucional, ressalvando a imperativa necessidade de Defesa Nacional, e no interesse de excluir do aforamento a figura do resgate, assentou em um dos seus considerando.”

“... que entre esses bens se compreendem os terrenos de marinha e seus aacrescidos e os de mangue  necessários à defesa nacional, o que tem levado o governo a alienar somente o seu domínio útil a fim de fiscalizar as transferências, impedindo que os mesmos tenham destinos inconvenientes à referida defesa facilitando, desse modo, a reincorporação do domínio útil ao direito, quando o reclamarem aqueles interesses.” (Grifamos).

Por fim, para referir a reafirmação do princípio retrodeduzido, proclama o vigente Decreto-lei nº 9760 de 05/09/46:

Art. 198. A União tem por insubisistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originadas em títulos por da outorgados no forma do presente o decreto-lei.”



14. É importante frisar-se que os pronunciamentos e declarações firmados pela Secretaria do Patrimônio da União presumem-se inteiramente legítimos, mormente porque decorrem de atribuições que lhe conferem o DL 9760/46 e o Decreto nº 1745/95.

15. Dentro dessa previsão, esclareceu a autoridade impetrada que o imóvel objeto da ação é constituído em partes de marinha e acrescido de marinha, cujos trabalhos de demarcação oficial se desenvolveram e concluíram em 1968, através do processo nº 1241/64. Pelos documentos acostados aos autos verifica-se que foram observados todos os trâmites legais pertinentes à homologação do traçado da Linha de Preamar Médio de 1831 para a região  discutida nos autos, cujo valor probatório é inatacável e deles não cuidou o eminente Juiz “a quo”, em sua decisão.

16. O ato técnico legal para demarcação dos terrenos de marinha subordina-se às regras do Decreto-lei nº 9670/46, artigos 9º e seguintes. Dentre esses, a do artigo 11, em que foi oferecida a oportunidade de os interessados oferecerem a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho então demarcado; também facultada foi, na forma do artigo 13 do citado diploma legal, a oportunidade para oferecimento de impugnação, verbis:



“De posse desses e outros documentos, que se esforçará por obter, e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizeram necessários, o Chefe do órgão local do SPU determinará a posição da linha em despacho de que, por edital com o prazo de 10 (dez) dias, dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações.

Parágrafo único. – Tomando conhecimento das impugnações porventura apresentadas, a autoridade, a que se refere este artigo, reexaminará o assunto e, se confirmar a sua decisão, recorrerá ex offício para o Diretor do SPU, sem prejuízo do recurso da parte interessada.”



17. A necessária publicidade dos atos administrativos ocorreu com os editais respectivos, que se encontram nos autos. Daí, há que se concluir que, não tendo os Impetrantes ou seus antecedentes ou seus antecessores exercido; tempestivamente, o direito de impugnar a referida demarcação, o silencia em que permaneceram serviu para dar termos definitivos aos atos da Secretaria do Patrimônio da União, fazendo com que a propositura da presente ação, 27 anos após, esbarre fatalmente na decadência prevista no artigo 18 da Lei nº 1533/51, implicando, conseqüentemente, na reforma da sentença probatória.

18. Processo foi instaurado, assim, com fundamento no mencionado Decreto-lei, tendo sido dada ampla divulgação e a necessária notificação dos interessados, que ocorreu por via editalícia, consoante permissão da lei. A Constituição Federal não exige notificação pessoal e, portanto, é facultado o uso do edital.

19. A demarcação, em si considerada, é um complexo de direito público que leva a União a declarar suas terras. A linha de Preamar Médio não foi traçada com a edição da legislação dos terrenos de marinha, nem a Lei estabeleceu que o fosse; ela vem sendo traçada ao longo dos anos, sabendo-se que até hoje grande parte dessa linha ainda não foi oficialmente demarcada, por circunstâncias lógicas de seus custos, conveniência e oportunidade, dado à vasta extensão do País. Todavia,uma vez demarcada, tem-se como declarada a propriedade pública, o que não significa que somente daí em diante seja conferida a titularidade do domínio à União, que é preexistente àquele traçado.  O entendimento que aqui se esposa está contido no voto do Ministro Américo Luz, no Recurso Extraordinário nº 105.579-RJ – 2ª  Turma do STF (RJf 117, pág. 347/360), onde se decidiu, por unanimidade, em favor da União Federal que:



“... Outro equivoco indesculpável do referido parecer, porque resultante de evidente contradição, está no reconhecimento da existência de títulos regulares sobre os terrenos de marinha, preexistentes à demarcação da posição da linha de preamar médio do ano de 1831, quando já se anunciara, como incontroversa, a premissa de que aqueles terrenos, “neles compreendidos os mangues e alagados da costa, pertencem à União Federal por força de legislação centenária”. Sendo a demarcação apenas declaratória, e não constitutiva do direito da propriedade, qualquer título de transferência do domínio útil de terrenos de marinha, que  não tenha sido outorgado, originariamente, pela própria União Federal, deve ser considerado como alienação a non domino, inoponível, portanto à sua legitima proprietária...” (n.g)

20. Caso assim não fosse, toda a legislação de marinha, a partir do Aviso Imperial de 18/11/1818 seria, pois jamais a União logrou efetuar a demarcação completa de todas as suas terras.

21. Portanto, a alegada oponibilidade dos títulos dos Impetrantes, não serve para ilidir a dominialidade da União em relação aos terrenos de que aqueles tratam. São títulos eivados do vício de nulidade, pois não provam, no elo inicial da cadeia sucessória, o destacamento da propriedade pública, da União Federal para o particular, pelos meios regulares de direito, sendo assim, fruto de atos cartorários praticados de forma irregular. A cláusula final do artigo 198 do DL 9760/46 afasta toda e qualquer possibilidade de pretensão do domínio pleno de terrenos de marinha e acrescidos pelo particular, somente reconhecendo como legítimos os títulos outorgados pela própria União Federal. Os títulos referidos pelo Magistrado devem ser considerados, pois, como alienações a “non domino” inoponíveis à legitima proprietária dos terrenos, que é a União Federal, por comando de toda uma legislação patrimonial imobiliária, centenária, ainda vigente e que, por isso, não pode ser meramente desconhecida. Por conseguinte, não podia o particular simplesmente para se insurgir contra essa dominialidade, avocar-se titular do domínio pleno dos terrenos de marinha e acrescidos de marinha, fundado em títulos como os apresentados, embora esses tenham sido considerados a prova cabal reconhecida pelo MM. Juiz com hábil a destruir as provas e esclarecimentos oferecidos pela autoridade impetrada. É sabido por todos que a transcrição no Registro de Imóveis não expunge os vícios que contenha, para atribuir validade ao ato, quando os títulos a que se prendem são formalmente inábeis para transmissão de domínio, sendo nulos de pleno direito. Aqueles títulos a que se reportou, o MM. Juiz, do particular e do Município para os impetrantes, constituem-se tão-somente em documentos de aparência formal, que não espelham a verdadeira transferência de propriedade, porque aqueles não eram e nunca foram proprietários dos terrenos de marinha e acrescido de marinha de que tratam os autos, não podendo, pois, transferir direitos de que não eram titulares. A proprietária era e continua sendo a União Federal. Por conseguinte, as transcrições feitas pelo Oficial do Cartório, não podem se opor ao Mandamento Constitucional que defere a titularidade de domínio desses terrenos à União Federal.

22. Irrelevante, assim, a transcrição inicial feita em 07/10/1927 em nome de Demócrito Silva, Augusto Holblinger, Dório Silva e Maria Esperança Silva, pelo Cartório R.T.I, consignada nas certidões juntadas às fls. 12/15, cuja tradição é  despida de significação jurídica para o fim a que se propõe o impetrante Edson de Almeida Quintares  como também o é a transcrição mencionada na certidão de fls. 39, a qual teria sido realizada em 21/01/75, inexistindo transcrição anterior, relativa ao terreno adquirido ao Município de Vila Velha por Nelson Andrade de Saldanha: ambas não informam sobre a outorga originária de domínio das terras, das quais ter-se-iam desmembrados os terrenos em discussão nos autos, de modo a justificar a inclusão destes, terras públicas, na transcrição realizada em nome de Demócrito Silva e Outros  e o Município de Vila Velha.

23.  Ora, um dos atributos da transcrição não é tão-somente o da publicidade, mas, além desse e de outros, o da continuidade. “A transcrição deve ser contínua, podendo-se necessariamente à anterior, numa seqüência ininterrupta de atos. Não pode haver transcrição isolada, independente de qualquer outro registro. Se o imóvel não se acha transcrito  em nome do alienante, não pode ser desde logo registrado em nome do adquirente. Cumpre, nessa conjuntura providenciar primeiro o registro em nome daquele, para em seguida, efetuar o deste. O registro anterior é imprescindível...” Curso de Direito Civil, 3º Vol. Direito das Coisas, Ed. Saraiva-SP, 1966, de Washington de Barros Monteiro).

24.  Como bem lembrou o ilustre Juiz “a quo”, embora com enfoque diverso, “Os modos derivados de adquirir a propriedade são regidos pela regra fundamental de Ulpiano: nemo plus júris ad alium transferre potest, quam ips haboret (ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que tem). Essa velha máxima, como afirma Demogue, é simples, sedutora como tudo é simples, proclamada quase como uma ingenuidade, mas que pode ser a fonte de resultados lamentáveis. De maneira mais singela, repete-se também que nomo dare potos plus quam habet. A tais preceitos pode ser adicionada ainda outra regra, por igual aplicável tão-somente aos modos derivados de adquirir a propriedade: resoluto jure dantis, resolutut jus accipientis (quando se resolve o direito do outorgante, fica o do  outorgado igualmente  resolvido.                                                                

...A distinção entre modos originários e modos derivados de aquisição encerra grande importância prática, pois, aqueles que se abroquela num modo derivado se sujeitará eventualmente a comprovar que seu antecessor também era dono da coisa adquirida e que esta sempre esteve no domínio de todos os proprietários que o precederam. Tal demonstração ressente-se, algumas vezes de sérias dificuldades práticas, razão pela qual de tal encargo já se disse constituir a probatio diabotica que tantos embaraços ocasiona nas ações de reivindicação...” ( ob. Cit. Pág. 102/103).

25.  Impõe-se aqui evidenciar o parecer do Ministério Público Federal no Estado do Espírito Santo, onde o seu ilustre representante sabiamente ponderou (fls. 45/52 do processo nº 95.0006277-1 – Mandado de Segurança):



“A circunstância de ser o imóvel caracterizado como acrescido de marinha é incontroversa. O que pode eventualmente, causar alguma perplexidade é o fato de haver titulação em nome de particular, decorrente de aquisição do Estado do Espírito Santo...



É  obvio que não se pode opor um ato de tabelião ao mandamento Constitucional. Ainda mais quando, como neste caso, vislumbra-se claramente a irregularidade desse ato, que pretendeu dar aparência de legalidade a uma situação absolutamente oposta à Constituição.”

26.  Ademais, como dito, o artigo 198 do DL 9760/46 afasta quaisquer pretensões de particulares em relação ao domínio pleno de terrenos de tal natureza.

27. De acórdão editado pelo Tribunal de Contas da União no processo nº 9.155-51/3-51, valem destacar-se os seguintes trechos sobre a matéria, eis que pertinentes à situação que se apresenta:



“A lei exige, portanto título legitimo, para que o bem patrimonial tenha saído do domínio público. Assim já o entendia e exigia o governo Imperial, como se vê da Ordem de 27 de julho de 1827.

A expressão título legítimo deve ser entendido como título hábil em direitos, na época, para aquisição e transferência do bem imóvel do domínio da Coroa.

Institucionalmente, as ilhas foram bens do domínio da Coroa, passando mais tarde ao patrimônio da União.

Constitui, por outro lado, ponto pacífico que este domínio, como hoje ocorre, só poderia ser transferido, à época, em virtude da lei que o autorizasse e em conseqüência de ato válido executório (Ordenações Filipinas, Livro 2º  Título XXVI, itens 8 e 10, e Constituição Imperial de 1824, art. 15, parágrafo XV)...”

“... f) Não se ter produzido, até o presente, prova cabal, irretorquível, da saída da ilha do domínio público para o particular, muito embora a prova de propriedade seja tão difícil que os jurisconsultos da Idade Média a chamavam de “diabólica probatio”, e que, nem mesmo a transcrição do contrato de venda,  se tivesse  sido efetuada firmaria o direito de propriedade, pois o decreto nº 3.453, de 26 de abril de 1865, no parágrafo 4º do artigo 3º, reproduzidos em artigo e parágrafo de iguais número, do decreto nº 169-A, de 19 de janeiro de 1890, declara: “A transcrição não induz a prova do domínio, que fica salvo a quem for”...



28. Por conseguinte, assim como a autoridade tida como coatora informou ao Juízo que existia Linha de Preamar Média de 1831 demarcada para a região, e que os terrenos sob discussão são de marinha e acrescido de marinha, bens públicos federais, não poderia o Magistrado ignorar a natureza dos terrenos e os esclarecimentos apresentado por aquela autoridade, e conceder a segurança, já que ante tal prova, inexiste direito líquido e certo dos impetrantes. A lei – DL 1561/77, art. 1º - veda peremptoriamente a ocupação gratuita dos terrenos de marinha e acrescidos destes, além do fato de que o reconhecimento de direito de propriedade, é questão relativa a domínio, que somente se pode resolver em ação própria, a demandar dilação probatória, com procedimentos até mesmo periciais; jamais em Mandado de Segurança, que não se presta ao caso vertente, ao contrário do que afirma o ilustre Julgador, esquecendo-se que “... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os registros e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não sendo ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais... Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano... Por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança. Há, apenas, uma dilação nas informações do impetrado...” (in Mandado de Segurança, Hely Lopes Meirelles, 15ª ed. Atualizada, 1994, Malheiros Editora).

29. De outro lado, a sentença proferida virá a afetar de tal modo a ordem pública, afigurando-se conveniente e necessária a sua reforma, vez que faz letra morta e torna inócuos dispositivos da Constituição Federal e de toda uma legislação infra-constitucional a conferir à União Federal a titularidade de domínio dos terrenos de marinha e acrescidos de marinha.

30. Assim, a r. sentença, máxima vênia, foi proferida em violação à lei que regula o patrimônio imobiliário da União, e, em especial, o DL nº 1561 de 13/07/77, que veda peremptoriamente a ocupação gratuita de seus terrenos.

31. O tratamento dispensado pelo Juiz “a quo” à matéria dos autos compreende um enfoque bastante subjetivo, que não se atém às demais indagações que envolve. Se é certo que a Constituição e a Lei Civil protegem o direito dos Impetrantes, o que dizer do direito de propriedade da União Federal também garantido em patamar Constitucional e legislação centenária? A demarcação que a Lei lhe assegura. Inexistem incertezas a respeito, o mesmo ocorrendo com a propriedade da União relativamente aos terrenos de marinha e acrescidos de marinha, onde se incluem os discutidos no s autos.

32. Decisões deste juiz merecem a bem lançada reflexão publicada no boletim nº 29 da ADV – ADCOAS abaixo transcrito:

“Deverá o juiz obedecer a lei, ainda que dela discordo, ainda que lhe pareça injusta. É um constrangimento que o princípio da divisão de poderes impõe ao aplicador. Seria o império da desordem se cada qual pudesse, a seu arbítrio, suspender a execução da norma votada pelos representante da nação. Lembremo-nos, ainda uma vez, de que todo poder vem do povo e que o povo cometeu aos membros da assembléia, e não a juizes, a tarefa de formular as regras jurídicas que o hão de governar. Admitir possa o magistrado tornar prevalecente a sua opinião, contra a exarada, por modo lúcido, no texto, fora superpor a sua vontade individual à da maioria parlamentar, nas democracias, ou a do ditador, nos regimes discricionários. Os julgamentos do presidente Magnaud ficaram famosos mas não criaram seguidores nos tribunais” – O Juiz e a função jurisdicional, págs. 330/331, nº 196, Forense, 1ª ed., 1958.

33. De qualquer sorte, a prevalecer decisão como a prolatada pelo ilustre Magistrado, chancelar-se-á o inadmissível no sistema jurídico brasileiro, que é a transferência abrupta de um bem público para sua incorporação ao domínio privado; sem a fiel observância das formalidades e instrumentos exigidos pela Lei a validar a prática de atos tais, do que decorrerá indiscutível e irreparável dano ao erário público.

34. Ademais, todo aquele que ocupa a terra pública deve, necessariamente, sujeitar-se às regras de sua utilização. A convocação da SPU contida no Edital nº 5/95 surgiu como uma segunda oportunidade deferida àqueles que não requereram o aforamento dos terrenos, na época devida (quando da publicação do Edital de 1969). Ao se insurgir, agora, contra esse ato da SPU, poderão os impetrantes, até mesmo, ver-se prejudicados na faculdade de ter reconhecida eventual preferência em aforar os terrenos que ocupam (art. 105, item 1º e 2º do DL 9760/46), eis que esse benefício está vinculado ao atendimento do administrado à convocação que lhe for feita (art. 104 do DL 9760/46).

35. Ante todo o exposto, REQUER a União Federal a V. Exa. seja dado provimento ao presente recurso e reformada integralmente a r. sentença prolatada, com a condenação dos impetrantes nos ônus da sucumbência.”



Neste diapasão, já havia o Ente Federativo aduzido, em sede de informações:



“Estabelece o Decreto-lei n° 9760, de 05/09/46, em seu Art. 9º e seguintes o ato técnico legal para demarcação dos terrenos de marinha e a ele subordinou-se a demarcação da área. Os trabalhos desenvolvidos em agosto/68 constituem o processo n° 1241/64, cujas peças de valor probatório inatacável, ficam em sua totalidade, inclusive técnica (planta n° 366-751), à disposição de Vossa Excelência, conforme laudo da Divisão de Engenharia (Doc n° 01).

Destaque-se, por fundamental, o fato de que a Linha de Preamar Média de 1.831, traçada em Agosto de 1968, conforme processo n° 1241/64, tendo sido observados todos os trâmites legais pertinentes a sua homologação, nos quais se incluem, na forma do Art. 11 do Decreto-lei n° 9760/46, a oportunidade de oferecer a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado, inclusive impugnação na forma facultada no Art. 13, do citado diploma legal.

Oportunidade que se renova com a convocação aos interessados constantes do Edital n° 05/95, publicado no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, em 12/12/95 ( Doc. n° 02).

Pretende o impetrante basear seu suposto direito nos títulos da propriedade apresentados que lhes permitiriam opô-los “erga omnes.”

Ocorre que a documentação que tenta estabelecer a cadeia dominial padece de uma falha: o elo inicial. Sem ele, não há como estabelecer legitimidade da propriedade pelo Estado ou Município, e, no caso, prova da incorporação da área do Patrimônio Municipal.

A doutrina dominante no direito pátrio afirma que a transcrição do título no Registro Geral de Imóveis não lhe confere legitimidade e sim submete-se ao princípio da publicidade, pressupondo-o conhecido de todos e a todos oponível.

O título em si cria uma presunção de posse, mas diante do preceito constitucional enumerado no inciso IV, do artigo 20, deixou de ter força translativa no tocante ao próprio bem.

Nesse sentido a brilhante conclusão do Parecer PGFN/ASS  nr. 829/89, publicado no Diário Oficial da União, de 28/12/89 - Seção I - pág. 24605  da lavra do ilustre procurador da Fazenda nacional Dr. Ignácio Loyola Costa;

“48 - Face ao exposto, conclui-se que:

1º) ........................................................

2º)..........................................................

3º) título legitimo, a que se refere a alínea (d) do art. 105 do Decreto-Lei nr. 9.760, de 03/11/46 é o que provêm, no elo inicial da cadeia sucessória, do domínio público;

4º) no nosso Direito, o registro imobiliário importa em presunção “iuris tantum da propriedade em favor daqueles em cujo nome estiver inscrito o título, desde que, é claro, seja legítimo e dá publicidade à transcrição imobiliária, para que possa valer erga omnes.”

O nosso direito positivo classifica como nulo o ato jurídico:

- “Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito” - Inciso V, do Artigo, 145, do Código Civil Brasileiro. O Artigo 198, do Decreto-Lei n° 9760, de 05 de setembro 1946, o  faz. “in verbis”:

“Art. 198 - A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originados em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-Lei.”

Os títulos apresentados, não só não foram outorgados pela União - como afrontaram o direito de propriedade a ela inerente por dispositivo legal, princípio constitucional e destinação histórica.

Por oportuno, cabe lembrar que, as transações imobiliárias além de terem sido realizadas contrariando disposição legal, os terrenos de marinha seus acrescidos e as ilhas oceânicas são de propriedade indiscutível da União, situação essa historicamente contemplada pela legislação brasileira, atualmente disciplinada na alínea “a”, do Artigo Iº, do Decreto-Lei n° 9760/46, reforçada pelos dispositivos constitucionais do art. 20 - IV e VII Em derradeiro, acrescente-se que não existe título oponível à Constituição Federal, uma vez que contra seus preceitos não se pode alegar direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada.

Assim a aparência registral não pode sobrepor a realidade jurídica, ou seja, o direito de propriedade assegurado à União.

Cumpre destacar que não compete à União fazer a prova documental de sua propriedade porque tal prova advém da própria lei.

Absurdo seria admitir a Escritura Pública de fls. como prova da propriedade, ressalvada no inciso II, do artigo 26, da Constituição Federal de 1988, pois restringem-se a uma transação imobiliária realizada, sem estabelecer o elo primeiro da cadeia sucessória que, necessariamente, é no domínio público, berço comum da propriedade no Brasil.

Não é demais salientar que matéria de prova é inerente ao processo de conhecimento, totalmente incabível no rito do Mandado de Segurança.

Insurge-se o Impetrante contra a Taxa de Ocupação como se ela decorresse de uma tardia definição da propriedade da União. Tardio, mas não a destempo, o CADASTRAMENTO que identificou o atual ocupante da propriedade pública e dele exige o cumprimento do Artigo Iº do Decreto-Lei n°. 1561, de 13 de julho de 1977 que “veda a ocupação gratuita de terrenos da União, salvo quando autorizada em lei e do qual foram tempestivamente notificados. (Doc. n° 03 e 04).

Assim, pede e espera a signatária desta informações que Vossa Excelência, há de reconhecer:

a) que o impetrante não provou a certeza e a liquidez do direito pleiteado;

b) que trouxe aos autos prova insuscetível de justificar a concessão da proteção jurisdicional.

c) que ficou sobejamente provado a propriedade da União e seu inquestionável direito-dever de cobrar taxas por sua utilização;

d) procede nos exatos limites da lei e dos interesses da União Federal, a autoridade dita coatora, quando exige o pagamento dos ônus resultantes da utilização de propriedade pública.

e) enfim, sejam acolhidas as razões expostas, por que de Direito e conseqüente cassação da liminar concedida.



Tais assertivas  não roborados pelos documentos de fls. 99/103, especialmente a planta baixa de fls. 100.



O Superior Tribunal de Justiça, vem estabelecendo a mesma orientação, Resp 968241, DJ 30/09/09, aplicável, mutatis mutandis à hipótese:



“ADMINISTRATIVO – TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS – ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ – DECRETO-LEI 9.760/46 – EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO – TAXA DE OCUPAÇÃO.

1. Ausência de contrariedade aos artigos 131, 458, II e 535 do CPC, pois não subsistem as omissões detectadas no julgamento do REsp 579.118/RS, tendo o Tribunal de origem respondido ponto a ponto e, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas por força da referida decisão.

2. O recurso especial, em relação aos temas tratados no rejulgamento dos embargos declaratórios, não se afigura apto a ensejar conhecimento, seja pela ausência de indicação de dispositivos legais que teriam sido violados quanto às teses de julgamento extra petita e insuficiência da documentação de fls. 635/716, seja porque, no que toca as demais questões, embora haja sido mencionado diversos dispositivos, deixou-se de indicar, com clareza e precisão, em que reside a contrariedade ou negativa de vigência à lei federal. Incide o óbice da Súmula 284/STF.

3. Conforme abstraído soberanamente pelas instâncias de origem, estão definitivamente incluídos em área demarcada pela União como de terreno de marinha e de acrescidos de marinha através de procedimento administrativo. Alterar as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias demandaria reexame do contexto fático-probatório dos autos, medida inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ.

4. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46.

5. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.

6. Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo Código de 2002 adotou o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.

7. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.

8. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.

9. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado.

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, improvido.



Colhendo-se do Voto Condutor:



“VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora):

Afasto, de início, a alegada contrariedade aos artigos 131, 458, II e 535 do CPC, pois não subsistem as omissões detectadas no julgamento do REsp 579.118/RS, tendo o Tribunal de origem respondido ponto a ponto e, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas por força da referida decisão.

Observo, no entanto, que o recurso especial, em relação aos temas tratados no rejulgamento dos embargos declaratórios (item I do relatório), não se afigura apto a ensejar conhecimento, seja pela ausência de indicação de dispositivos legais que teriam sido violados quanto às teses de julgamento extra petita e insuficiência da documentação de fls. 635/716, seja porque, no que toca as demais questões, embora haja sido mencionado diversos dispositivos, deixou-se de indicar, com clareza e precisão, em que reside a contrariedade ou negativa de vigência à lei federal. Incide o óbice da Súmula 284/STF.

De outra parte, imperioso frisar que as principais questões subjacentes à demanda já foram enfrentas por esta Segunda Turma no julgamento dos REsps 624.746/RS e Resp 617.021/RS, nos quais fui relatora e que tratavam de situação em tudo assemelha a que ora se examina.

A argumentação recursal, no que interessa para julgamento do presente recurso, gira em torno dos seguintes tópicos:

a) a demarcação da linha da preamar média de 1831, tal como feita, descumpriu os arts. 10 e 13 do Decreto-lei nº 9.760/46, pois, ausente qualquer estudo da marés que ocorrem na região e não havendo documentos antigos com dados que permitissem identificá-la, terminou sendo definida por eleição, por escolha arbitrária em que predomina a falta de critério e de senso comum, razão de ter envolvido quantidade imensa de lotes que não se enquadram nessa categoria de bens por distarem mais de 200 metros, mais de 500 metros e até 1000 metros da orla do mar e também da margem do rio Tramandaí;

b) os autores adquiriram seus imóveis nos termos da lei, sendo, portando, titulares de direito real, não podendo ser privado dos atributos inerentes à propriedade, senão depois de anulados os registros existentes mediante sentenças com trânsito em julgado, satisfeito o preceito do devido processo legal;

c) estando os imóveis devidamente registrados, e se esses registros conferem, a quem eles indicam, os atributos inerentes à propriedade, não pode a União proceder como se proprietária sem antes desconstituir a titularidade existente.

A primeira questão a ser dirimida diz respeito à possibilidade de impugnação dos procedimentos administrativos de definição da linha preamar de 1831 e da demarcação dos terrenos feitas pela SPU.

Nesse ponto, os imóveis dos autores, conforme abstraído soberanamente pela instâncias de origem, estão definitivamente incluídos em área demarcada pela União como de terreno de marinha e de acrescidos de marinha através de procedimento administrativo. Alterar as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias demandaria reexame do contexto fático-probatório dos autos, medida inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ.

Em relação ao título de domínio do autor, não merece reforma o acórdão recorrido.

No art. 66 do Código Civil Brasileiro de 1916, que teve sua redação basicamente mantida no art. 99 do Código de 2002, que encontramos a definição de bens públicos:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

A previsão da propriedade da União sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos está estampada no art. 20, VII, da Constituição Federal de 1988.

Por sua vez, o Decreto-lei 9.760/46, lei especial de natureza administrativa que dispõe sobre os bens imóveis da União, regulamenta integralmente a declaração desses bens, sua conceituação, sua identificação, formas de demarcação e de discriminação das terras da União, dentre as quais se situam os terrenos de marinha (bens públicos dominicais) no seguinte sentido:

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:

a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;

b) os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais, se, por qualquer título legítimo, não pertencerem a particular;

c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência das marés;

d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer título legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou particulares;

e) a porção de terras devolutas que for indispensável para a defesa da fronteira, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais;

f) as terras devolutas situadas nos Territórios Federais;

g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais;

h) os terrenos dos extintos aldeamentos de índios e das colônias militares, que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos Estados, Municípios ou particulares;

i) os arsenais com todo o material de marinha, exército e aviação, as fortalezas, fortificações e construções militares, bem como os terrenos adjacentes, reservados por ato imperial;

j) os que foram do domínio da Coroa;

k) os bens perdidos pelo criminoso condenado por sentença proferida em processo judiciário federal;

l) os que tenham sido a algum título, ou em virtude de lei, incorporados ao seu patrimônio.

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. (grifo nosso).

De origem que remonta do Brasil-Colônia, os terrenos de marinha, de propriedade da União, segundo a doutrina pátria, tiveram sua origem e sua justificativa, além das disposições constitucionais vigentes, em motivos "que interessam à defesa nacional, à vigilância da costa, à construção e exploração dos portos, mas ainda de princípios imemoriais que só podem ser revogados por cláusula expressa da própria Constituição” (Themístocles Brandão Cavalcanti, "Tratado de Direito Administrativo", Ed. Freitas Bastos, São Paulo, 1950, 2ª ed., vol. V, págs. 109 e 110 - citado por Eliseu Ramos Padilha no texto "Terrenos de Marinha", publicado pela revista de Estudos Jurídicos da Universidade do Valo do Rio dos Sinos, Vol. 20, n.º 48, Janeiro/Abril de 1987, pág. 28).

Em adição, ainda segundo o escólio de Eliseu Ramos Padilha (ob. cit., pág. 38), são eles bens imóveis da União de forma "originária", o que significa dizer que nunca poderiam ter estado em propriedade de terceiros, pois, desde sua instituição, sempre foram de propriedade daquele ente, independentemente de estarem ou não demarcados. Decorrem de ficção jurídica resultante da lei que os criou e, embora sem eventual definição corpórea pela efetiva demarcação, tem conotação histórica incorporada à própria criação do Estado Brasileiro, como herança do Brasil-Colônia incorporado pelo Brasil-Império. Com a demarcação, "desfaz-se a ficção jurídica e materializa-se, na faixa dos trinta e três (33) metros, o BEM PÚBLICO DOMINICAL DA UNIÃO dos TERRENOS DE MARINHA, tornando ineficazes quaisquer títulos dominiais radicados em terceiros, relativamente a tais TERRENOS.”

Conclui o autor que “nenhum direito poderá ser legitimamente contraposto ao Domínio da União sobre a faixa dos TERRENOS DE MARINHA” (fl. 39).

Advirta-se, por outro lado, que o regime adotado pelo Código Civil Brasileiro de 1916 (art. 527) e pelo novo Código Civil de 2002 (art. 1.231) adotam o sistema da presunção relativa (juris tantum) em relação à propriedade, que se presume plena e exclusiva até prova em contrário.

Firmadas essas premissas básicas, conclui-se que os registros dos imóveis efetuados no Cartório de Registro de Tramandaí, no Estado do Rio Grande do Sul, conforme as regras pela Lei 6.015/73, não têm qualquer valor diante das disposições especiais do Decreto-lei 9.760/46, que declaram insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio esses bens públicos, assim como a não-sujeição dos bens imóveis da União ao usucapião, verbis :

Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.

Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.

Por fim, o próprio Decreto-lei 9.760/46 não descarta a possibilidade da instituição ou o aforamento sobre os terrenos de marinha, mediante o pagamento de foro, inclusive com a possibilidade de remição, com o resgate do terreno público aforado (art. 102 e 122 e seguintes).

Voltando-se os olhos novamente para a situação dos autos, verifica-se que houve um procedimento administrativo de demarcação realizado pela União, através da S.P.U., ato este que goza de todos os atributos comuns aos atos administrativos, quais sejam, presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.

Tais atributos conferem à União, enquanto Administração Pública, a qualidade pela qual pode compelir materialmente o administrado ao seu cumprimento sem a necessidade de buscar previamente as vias judiciais, independentemente da sua concordância e com presunção juris tantum de legitimidade.

E é exatamente em decorrência do atributo da presunção de legitimidade do ato que se justifica a inversão do ônus quanto à prova, a cargo dos recorrentes, de que seus imóveis não se encontram na faixa de terrenos de marinha.

Também desnecessário à União mover ação judicial para anulação dos registros de propriedade dos recorrentes, em razão do atributo da executoriedade do ato administrativo.

Por fim, verifico que um dos pedidos dos autores pertine em se desobrigar do pagamento da “taxa de ocupação” cobrada pela S.P.U., com fulcro na alegação de propriedade sobre os imóveis respectivos. Superada a questão, resulta evidente a legitimidade da sua cobrança, independentemente da situação regular ou irregular de ocupação dos terrenos, conforme a regra prevista no art. 127 do Decreto-lei 9.760/46:

Art. 127. Os atuais ocupantes de terrenos da União, sem título outorgado por esta, ficam obrigados ao pagamento anual da taxa de ocupação.

No STJ, encontrei um único precedente que retrata situação semelhante à dos autos, o REsp 409.303/ RS, julgado pela Primeira Turma e relatado pelo Ministro José Delgado, que recebeu a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO.

1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria.

2. Cobrança de taxa de ocupação pela União.

3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul.

4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha.

5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova.

6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção “juris tantum”.

7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha.

8. Taxa de ocupação devida.

9. Recurso especial improvido.

(REsp 409.303/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27.08.2002, DJ 14.10.2002 p. 197)

Segue-se que o desate conferido à demanda deve ser mantido por seus próprios fundamentos e pelos que foram acrescidos na presente oportunidade.

Com essas conclusões, conheço parcialmente do recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.

É o voto.”



Noutro eito, há que se sublinhar que em sede de Mandado de Segurança, não há como, face à imperiosa necessidade de dilação probatória, como se impõe no caso, afastada a utilização, outrossim, senão fosse, a já caracterização do bem como próprio nacional, o que demandaria demanda própria, conforme preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, mutantis, Resp 635980, DJ 27/9/04:



EMENTA

ADMINISTRATIVO E CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. TERRENO DE MARINHA. OCUPAÇÃO PRECÁRIA. RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. INADMISSIBILIDADE. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO.

1. Tratam os autos de Ação de Manutenção de Posse ajuizada por CAMPING MATINHOS LTDA contra a UNIÃO FEDERAL objetivando a proteção de área situada no Município de Matinhos, litoral do Estado do Paraná, em face de justo receio de turbação. Alegou o autor exercer a posse na área localizada em terreno de marinha há mais de cinco anos, onde realiza suas atividades comerciais (camping), recolhendo impostos e taxas pertinentes, além de haver edificado diversas benfeitorias. Tendo ocorrido em 06/05/2001 o fenômeno denominado “ressaca marítima”, foi-lhe exigida pela União a imediata desocupação do imóvel pelo perigo decorrente de sua localização. Em primeiro grau, julgou-se improcedente o pedido. O TRF/4ª Região negou provimento à apelação, concluindo pela não-configuração de cerceamento de defesa e pela constatação de irregularidade da ocupação, não vislumbrando posse justa nem de boa-fé, sendo defeso ao ocupante alegar retenção pelas benfeitorias. O recurso especial é fundamentado na alínea “a” do permissivo constitucional apontando vulneração dos arts. 535, II, CPC, 516 do CC e 6º da Lei 9.363/98, defendendo a anulação do aresto ante a constatação de omissões; sua reforma, por ser inaplicável o art. 6º da Lei 9.363/98; ser possuidor de boa-fé, devendo ser reconhecido seu direito à indenização pelas benfeitorias conforme o teor do art. 516 do CC. Em contra-razões, a recorrida aduz que o acórdão merece manutenção, se ultrapassada a questão de ser matéria fática a deduzida, o que atrairia a Súmula 07/STJ.

2. A posse do ocupante não se sobrepõe juridicamente ao domínio da União sobre imóvel. Tendo em vista a ocupação se revestir de caráter precário, não sendo justa nem se sustentando em boa-fé, estando exercida sobre bem público (terreno de marinha), assim reconhecida pelo próprio recorrente, não lhe sobejam direitos sobre o imóvel ou à indenização pelas benfeitorias que realizou.

3. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria.

4. A ocupação de área de uso comum do povo por um particular configura ato lesivo à coletividade e, mesmo se concedida pela União, poderia ser revogada discricionariamente. O interesse público tem supremacia sobre o privado, pois visa à proteção da comunidade, da propriedade do Estado, do meio ambiente e, no presente caso, da própria integridade física do recorrente.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.”



Ante o exposto, provejo o recurso e a remessa necessária.



É como voto.







POUL ERIK DYRLUND

Relator



=VOTO=



O EXMº SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA (RELATOR):



1- Conheço da apelação e da remessa, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.



2- Conforme  relatado, cuida-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da r. Sentença de fls. 192/205, que, reconhecendo a plenitude da propriedade dos Impetrantes, EDSON DE ALMEIDA QUINTAES e NELSON ANDRADE DE SALDANHA, julgou procedente a pretensão mandamental para anular as inscrições dos imóveis levadas a efeito junto à Secretaria de Patrimônio da União, D.P.U/E.S, bem como os atos de lançamentos das respectivas “Taxas de Ocupação”.



3- Na peça exordial o primeiro Impetrante argumentou, em suma, que: a) o impetrante é legítimo proprietário de terreno e respectivas benfeitorias localizado na rua Maria de Penha Quiroz, s/n°, Praia da Costa, Vila Velha/ES, com área de 390,61 m2, conforme Escritura de Compra e Venda, pactuada em 31.12.80 com Direção Empreendimentos Imobiliários Ltda; b) como demonstram a certidão vintenária da cadeia dominial, expedida pelo C.R.I de Vila Velha e respectivas certidões de transmissões, foi possível constatar origem desde 13.10.1895, com averbação posterior em 07.10.1927; c) mesmo assim, foi o impetrante notificado a pagar a taxa de ocupação relativa ao terreno, como se de marinha ou acrescido fosse, sem embargo de que a metragem de que se valeu o SPU é equivocada; d) a inscrição administrativa de terrenos como sendo de marinha depende da devida regulamentação, ainda inexistente, do disposto no § 3° do art. 49 da ADCT, máxime a fim de especificar o que se entende por "faixa de segurança, a partir da orla marítima"; e) o Decreto-lei n° 9.760/46 não foi integralmente recepcionado pela Carta Magna de 1988, de molde que a inscrição compulsória no cadastro dos ocupantes de terrenos da União infringe o direito ao contraditório e a garantia da ampla defesa; f) conclui, assim, pela nulidade absoluta dos atos administrativos relativos à demarcação e inscrição de ofício do impetrante como ocupante de terreno de marinha; g) a escritura pública e sua respectiva transcrição no RGI assumem presunção de validade, até prova em contrário; h) o impetrante não foi notificado acerca da demarcação de seu lote como terreno de marinha, nem pessoalmente, nem por via editalícia, conforme deveriam ter sido, nos termos dos arts. 11 a 13, do Decreto-lei n° 9.760/46.



4- Em petição de fls. 32/33, NELSON ANDRADE DE SALDANHA requereu o seu ingresso no feito na qualidade de litisconsorte facultativo, anexando os documentos de fls. 34/43, o que restou deferido às fls. 45. Sustentou o referido litisconsorte, ora impetrante, que o seu imóvel situa-se na mesma região daquele pertencente ao primeiro impetrante, tendo sido adquirido através do Município de Vila Velha, através de remissão de foro.



5- A UNIÃO interpôs Agravo de Instrumento, conforme se depreende da decisão de fls. 86, na égide da lei processual anterior.



6- Interpôs a UNIÃO, junto a esta Eg. Corte, na égide da nova lei, Agravo de Instrumento quanto ao Impetrante  NELSON ANDRADE DE SALDANHA, proc. nº 96.02.16198-9, apensado ao presente feito.



7- A UNIÃO interpôs, ainda, junto a esta Eg. Corte, o Agravo de Instrumento, já na égide da nova lei, em face do Impetrante  NELSON ANDRADE DE SALDANHA (Apelação Cível nº 96.02.16198-9 - apensada ao presente).



8- Em razões de apelação, a UNIÃO alegou o não cabimento do litisconsórcio ativo, bem como a não possibilidade de utilização da via mandamental, face à ausência de direito líquido e certo. No mérito, arguiu que a propriedade dos terrenos de Marinha, no Brasil, sempre foi dada pela legislação, à União ou à Colônia, dependendo do período histórico considerado.



9- O recurso não merece prosperar.



10- No presente caso, é irrepreensível a r. Sentença da lavra do Eminente  Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Dr. MACÁRIO RAMOS JÚDICE NETO, cujos fundamentos adotam-se como razões de decidir, in verbis:



“(...)



A questão subjacente a este Mandado de Segurança é, apenas, aparentemente complexa. A gravidade e a importância residem, justamente, no aspecto social envolto, com repercussão na seara privada de cada administrado em face do Poder Público.

Destacaria, também, que, muito embora se questione um determinado ato administrativo, ora acoimado de inconstitucional e ilegal, a matéria inerente à causa de pedir próxima e remota reverbera, necessariamente, no direito civil e na Constituição Federal, em especial, nas normas afetas ao direito de propriedade, ao respectivo título translativo e à sua aquisição.

Daí porque exsurgem as conotações civil e constitucional para a adequada análise da matéria.

Portanto, deve-se ter sempre em mente toda a doutrina e todos os princípios acerca do direito de propriedade, desde a era romana, atentando-se, ainda, para os diversos sistemas (germânico, francês e o brasileiro - quase germânico).

Ocorre que, antes de adentrar no âmago da "quaestio iuris ", faz-se mister e necessária a correção dos pontos em debate, a fim de estabelecer a devida adequação do "writ ".



Da correção dos pontos da "quaestio iuris" e da adequação do Mandado de Segurança, tendo em vista o ato da Autoridade Impetrada



Em primeiro, o fato de haver recurso administrativo da decisão da Autoridade Impetrada não impede esta sede, como fundamento constitucional. A propósito, a jurisprudência é uníssona, pelo que não merece maiores delongas. Ademais, dois outros fatores infirmam a alegação sob esse prisma, quais sejam: a inexistência de efeito suspensivo, uma vez que o documento de fls. 17 está a evidenciar, a partir do seu vencimento em 28.12.95, bem como não há prova nos autos do recurso administrativo interposto.

Em segundo, equivoca-se a Autoridade Impetrada em sua conclusão preliminar sobre a inadequação desta sede, em especial, ser indevido o Mandado de Segurança para se examinar a questão afeta à propriedade imobiliária dos impetrantes, em face daquela alegada pela União.

É cediço que os angustos limites da ação de Mandado de Segurança não permitem dilação probatória, porquanto se exige prova pré-constituída, exclusivamente documental.

Todavia, a hipótese dos autos não está a exigir provas outras (testemunhal e técnica).

Em verdade, pretendem os impetrantes opor à União, exatamente, a força jurídica de seus respectivos títulos de propriedade. Estes, uma vez prevalecendo, infirmarão, em tudo e por tudo, a alegada propriedade da União e, conseqüentemente, o ato administrativo questionado, qual seja: a inscrição dos respectivos imóveis dos impetrantes como terreno de marinha, a ensejar a cobrança da "taxa de ocupação ".

Isso porque o ato do Poder Público é incompatível com os títulos de domínio apresentados. A prevalência daquele significa o próprio reconhecimento da propriedade da União sobre os imóveis em questão, em detrimento dos títulos dos impetrantes, os quais, a persistir a conduta administrativa, passarão a ser um "nihil ".

Esse exame, à luz do Ordenamento Jurídico e do próprio Sistema que alberga, não reclama outras provas além daquelas já constantes destes autos, em especial os títulos de domínio, respectivas certidões do Cartório Imobiliário e os documentos inerentes à cobrança da "taxa de ocupação " (vero ato administrativo impugnado).

Com clareza meridiana, conclui-se pela adequação da via do Mandado de Segurança, sendo, pois, satisfatória a impetração para, especialmente, declarar-se a nulidade do ato impugnado e desconstituir-se o lançamento da cobrança da "taxa de ocupação" sobre os imóveis dos impetrantes, mediante o reconhecimento, "incidenter tantum", de sua propriedade e a correspondente validade e eficácia dos seus títulos, oponíveis, inclusive, à União.

Para se decidir a respeito, basta a análise dos títulos e, portanto, são suficientes as provas dos autos.



Da prova documental e dos títulos de propriedade




Os impetrantes sustentam a condição de legítimos proprietários dos terrenos relativos aos imóveis sitos na Praia da Costa, Vila Velha/ES, local historicamente conhecido como "Sítio da Costa". Como prova, fizeram anexar aos autos a competente prova documental de seu domínio imobiliário, a saber:

A) Impetrante: EDSON DE ALMEIDA QUINTAES - Casa "M", do Bloco "C", situada no lote 13, no Parque das Castanheiras, com as seguintes características: dois quartos, uma suíte, um hall e um íntimo com piso de frizo, dois W.C, sendo um social e um íntimo, uma cozinha com piso de cerâmica e azuleijos até o teto, dependência de empregada, com W.C, uma varanda piso de lajotão, uma área de serviço  piso de cerâmica, com área de construção de 185,26 m2 e o respectivo terreno com 390,61 m2, confrontando-se pela frente com a rua Espírito Santo; outra frente com a rua Piratininga; por um lado com o lote nº 14 e fundos com o lote nº 14 e fundos com lote 12, conforme consta da Certidão do Registro Geral (Cartório do 1º Ofício de Vila Velha), livro 02-BU, fls. 212, matrícula nº 17.805 e registro nº 1.17.805 (fls. 23);

B) Impetrante: NELSON DE ANDRADE SALDANHA - imóvel constituído por dois lotes de terreno oriundos do patrimônio municipal, sito na rua Rio Branco, na Praia da Costa, com áreas de 327,25 m2 e 352,50 m2, lotes 01 e 02, perfazendo uma área total de 679,75 m2, confrontando-se pela frente com a referida rua; nos fundos com o lote n° 03; e aos lados com a Rua Rio Branco e Avenida Vitória, conforme consta da Certidão do Registro Geral (Cartório do 1° Oficio de Vila Velha), Livro 03-AS, fls. 80, matrícula n° 22.631 e registro n° 1-9-078 (fls. 40), com as construções referidas na certidão municipal de fls. 43.



Depreende-se, ainda, quanto aos documentos anexados pelo primeiro impetrante, ou seja, da Certidão do Cartório Imobiliário (Cartório do 1° Oficio de Vila Velha e Cartório da 1ª Zona de Registro Geral de Imóveis e Registro de Torrens de Vitória), que o imóvel, por sua cadeia de continuidade registrai, origina-se das glebas de terras apontadas na Certidão de fls. 28, remontando a 1927 e, daí em diante, a 1895, consoante Certidão de fls. 24/27.

Assim, sobressai de toda a cadeia dominial, inclusive, reverberando em época anterior ao Código Civil Brasileiro, não ter figurado a União, em quaisquer passagens, como "dominus” da_referida Gleba, ou de parte dela, de onde se desmembrou o lote (imóveis) do primeiro impetrante.



Quanto ao segundo impetrante, a questão é distinta, todavia, não alterará a conclusão. É que, anteriormente ao resgate retratado às fls.  42, em 18.10.85, o referido impetrante somente possuía o domínio útil, sendo que o domínio direto competia ao Município de Vilha Velha; ou seja, a municipalidade era foreira. Havia o regime da enfiteuse, ocorre que em face do Município, e não da União, pelo que jamais se pode considerar o referido imóvel submisso ao DL n° 9.760/46, mas, ao revés, às regras do Código Civil.

Como visto, atualmente, o segundo impetrante possui o domínio pleno pelo resgate do foro.

Portanto, para efeito do que se pretende neste Mandado de Segurança há uma prova robusta e, até então, inequívoca, do domínio pleno dos impetrantes sobre os respectivos imóveis acima descritos.



Da propriedade Imóvel, sua aquisição, transmissão e a presunção que deriva do título



 A propriedade é, efetivamente, um direito absoluto.

Nesse ponto, equivoca-se o ilustre membro do “parquet" ao atribuir-lhe cunho de relatividade, nas estreitas lições, já  vencidas, do civilista Josserand.

É absoluto porque é oponível "erga omnes", ou seja, a toda a coletividade. No entanto, é cediço que a rigidez do direito de propriedade - matriz dos direitos reais - é atenuada por certas limitações constitucionais, em virtude de sua função social. Apesar dessa vertente, por força da evolução pela qual passou o instituto, não há como sustentar a relatividade do direito real, cuja regra, ainda reinante, é de ser um direito absoluto, porém, sujeito às limitações de ordem pública, "tendentes a coibir abusos e tendo em vista impedir que o exercício do direito de propriedade se transforme em instrumento de dominação" (c.f, Caio Mário da Silva Pereira, In "Instituições de Direito Civil", 9ª ed., Ed. Forense, p. 67.

As dificuldades de definir o conceito do direito de propriedade são tantas que o Código Civil Brasileiro, há quase um século, preferiu, com razão, em seu art. 524, apenas enunciar o seus poderes (atributos): "ius utendi, fruendi et abutendi ". Eis a dicção do art. 524, do CCB:



"Art. 524 - A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua."



Por sua vez, a aquisição da propriedade exige três pressupostos para que tal ocorra: a) pessoa capaz de adquirir; b) coisa suscetível de ser adquirida e c) um modo de adquirir.

Dos títulos exibidos, como efeito de sua presunção iuris tantum, abstraem-se todos os pressupostos de validade das aquisições no tempo, os quais sequer se vêem elididos pelas alegações da Autoridade Impetrada, diga-se de passagem, genéricas.

A aquisição da propriedade pode ser originária ou derivada.

"In casu ", as aquisições das respectivas propriedades imóveis, ora objeto dos lançamentos das correspondentes "Taxas de Ocupação" , deram-se de forma originária. E, assim, em um determinado período, a titulo universal (sucessio in universum ius) e, em outros, a título singular (sucessio in rem) - art. 172, da Lei n° 6.015/73.

No entanto, não há nos títulos de propriedade  qualquer mácula, a induzir pela ocorrência de ilegalidades nas transmissões que se sucederam através dos tempos.

Assim, conclui-se que o direito liquido e certo subjacente a esta sede é corolário lógico do direito de propriedade dos impetrantes, o qual desperta da qualidade dos títulos ora exibidos.



Da Ordem e do Sistema Jurídicos inerentes ao direito de propriedade, a partir da Constituição Federal e da Lei federal



A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso XXII, garante o direito de propriedade, com o "status " de cláusula pétrea.



"Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

XXII - é garantido o direito de propriedade."



Enquanto isso, o Código Civil a desenvolve. E nesse desenvolver, assegura ao proprietário os poderes elencados no art. 524, do CCB, acima destacado.

Como se não bastasse, o art. 525, da Lei Civil, diz,textualmente:



"É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada quando têm ônus real, ou é resolúvel"



Conjugando-se as disposições dos transcritos arts. 524 e 525, do CCB, com os títulos de domínio exibidos nesta sede, conclui-se pela plenitude do direito de propriedade dos impetrantes.

Não há sequer o regime da enfiteuse capaz de limitar o domínio, subdividindo-o em domínio útil e domínio direto, este reservado à União. Havia esse regime quanto ao segundo impetrante e em face do Município de Vila Velha, nos termos do Código Civil. Atualmente, o foro encontra-se resgatado, conforme salientado na página 05 desta sentença.

Portanto, não há como se admitir um precário direito de ocupação, porque incompatível com a qualidade dos títulos, cuja presunção "iuris tantum" não se vê afastada.

Essa presunção em favor dos impetrantes é forte, decorre da Lei Civil e do Sistema Jurídico, inclusive, com garantia constitucional.

Portanto, não há como se admitir uma presunção iure et iure em favor da União, porque, certamente, ofenderia o Sistema, além do que não se pode concluir em tal sentido, a partir do Decreto-lei n° 9.760/46, como se examinará mais adiante.

A propósito, eis o teor do disposto no art. 527, do CCB, "in verbis”.



"Art. 527 - O domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário."



Corroborando a linha sistemática seguida e perfilhada neste "decisum ", o § 1° do art. 134, do CCB, é elucidativo, a saber:



"A escritura pública lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, e, além de outros requisitos previstos em lei especial, deve conter..."



Na mesma linha, destaca-se o art. 859, do CCB:



"Art. 859 - presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu."



Igual força têm, os contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, "ex vi " do 61, § 5°, da Lei n° 4.380/64.

Como se não bastasse, a Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73), em seus arts. 227, 233 e 252 reforçam, ainda mais, a garantia do direito de propriedade, uma vez levado a registro o respectivo título de aquisição, com observância das formalidades legais.

O art. 227 da Lei n° 6.015/73 exige, para a segurança jurídica, que todo imóvel, objeto de título a ser registrado, deve estar matriculado no Livro n° 2 (Registro Geral), com as observâncias do art. 176, na respectiva Serventia (CRI).

O art. 233, dispõe que a matrícula somente será cancelada:



"I - por decisão Judicial;

II - quando, em virtude de alienações parciais, o imóvel for inteiramente transferido a outros proprietários;

III - pela fusão, nos termos do artigo seguinte."



Por sua vez, em toda matrícula imobiliária, à luz da Lei de Registros Público, exige-se que, no seu âmbito, sejam efetuados os "registros" inerentes às operações imobiliárias (art. 236). Nesse diapasão, o art. 252, reforçando a força dos títulos que embasam os registros e a sua segurança, disciplina que:



"O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.”



Destaca-se, ainda, que a decisão aludida pelo inciso I, do art. 233, da Lei n° 6.075/73, é aquela sob o manto da coisa julgada, conforme dispõe o art. 259, "in verbis”:



"O cancelamento não pode ser feito em virtude de sentença sujeita, ainda, a recurso."



Sem rebuços, todos os dispositivos citados demonstram a força decorrente do direito de propriedade e a segurança jurídica impostas às relações imobiliárias, o que, data vênia, é incompatível com a conduta da Autoridade Impetrada, a qual, por ato seu, pretende inviabilizar todo o Sistema Jurídico e seus respectivos subsistemas de normas.

A União, por ato da Autoridade Impetrada, não pode simplesmente valer-se do texto literal do Decreto-lei n° 9.760/46 e, em conseqüência, negar validade aos títulos dos impetrantes e eficácia à sua força probante, decorrente dos registros imobiliários. Estes, aliás, estão no mundo jurídico, portanto são existentes, válidos e eficazes. até. que, por decisão, com trânsito em julgado sejam declarados inexistentes, nulos e/ou ineficazes; ou, então, sejam, “incidenter tantum”, tidos como tais para efeito de se acolher uma demanda reivindicatória em seu favor, exceto se não houver uma cumulação de pedidos específicos acerca dos títulos.

Sem dúvida, afastar, unilateralmente, a presunção "iuris tantum " que milita favoravelmente aos impetrantes, a partir de seus respectivos títulos de propriedade, ofende a Constituição e possibilita negar vigência aos dispositivos de lei federal citados nesta sentença.

A doutrina civilista é uníssona. Sobre o tema, eis as lições de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, cuja doutrina é das mais respeitáveis, a saber:



"Uma vez efetuada a matrícula, ou a inscrição de título constitutivo de algum direito diverso da propriedade, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se registrou o inscreveu (Cód. Civil, art. 859). E a propriedade considera-se adquirida na data da apresentação do título a registro (art. 534), ainda que entre a prenotação no protocolo e o registro haja decorrido algum tempo.

Trata-se, obviamente, de uma presunção iuris tantum, diversamente do que se passa no direito alemão, uma vez que para nós o registro não tem caráter de negócio jurídico abstrato.

O que se deve inferir é que, se se considera dono quem figura no registro como titular do direito, assim deve ser tratado enquanto se não cancelar ou anular, uma vez que o registro é ato causal, e exprime a sua força na dependência do negócio jurídico subjacente.

Embora lhe falte o caráter de presunção iure et de iure, a importância do registro é fundamental na organização jurídica da propriedade brasileira, não somente porque a lei proclama o registro como causa determinante da aquisição da propriedade, como, ainda, porque não se infirma o registro por autoridade do seu oficial, porém há de resultar de uma sentença judicial proferida em processo contencioso, no qual se reconhecerá ao réu a mais ampla defesa.” (In, "Instituições de Direito Civil", Vol. IV, 9ª  ed., Ed. Forense, p. 93)



Dentre os efeitos do registro destacam-se os: da publicidade, da legalidade e da força probante. O primeiro, no sentido de que é por ele que qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, toma conhecimento das vicissitudes por que passa o imóvel, com a finalidade de tornar conhecido o direito de propriedade e, eventualmente, as suas limitações. O segundo, atende a que se o oficial efetuou o registro, foi porque nenhuma irregularidade extrínseca ou intrínseca lhe ocorreu do exame do título. O terceiro, está em demonstrar que o registro indica o titular do direito real, e institui a presunção "iuris tantum" de que, enquanto assim constar, deve ser tratado como tal, aliada à presunção de conhecimento por terceiros, dos atos inscritos (c.f CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., p. 94).

É importante insistir na idéia de um Direito unívoco e de um Sistema harmônico.

O Direito é um todo; um Sistema.

Sistema Jurídico significa o conjunto de regras e relações jurídicas que convergem para um ponto comum; conjunto esse que reclama seja bem compreendido em prol da harmonia necessária entre as normas integrantes do próprio Sistema.

Como observou Kelsen, as normas jurídicas postam-se em posição de subordinação e de coordenação, integrando a chamada "hierarquia das normas jurídicas". As primeiras fundamentam e dão suporte de legalidade às segundas. Estas, no mesmo nível, cumprem revelar a harmonia no sentido de que se integram, formando a unidade.

Assim, as normas constitucionais, por integrarem o Ordenamento Jurídico com "status" de norma fundamental, colocam as demais normas infraconstitucionais em posição de subordinação aos seus comandos.

Daí, porque, a Constituição fixa os princípios básicos de qualquer ordem jurídica, e, assim, não se pode raciocinar sobre qualquer instituto jurídico desprezando a lei fundamental.

Nesse diapasão, vale ressaltar a existência de dois"subsistemas: um constitucional; outro infraconstitucional que, ao final, em harmonia, integram um único Sistema de normas.

Tem-se, então, de um lado, um subsistema integrado pelas normas veiculadas pelos incisos XXII, LIV do art. 5°, art. 20, VII e art. 26, II, da Constituição Federal; e de outro, um subsistema entre os dispositivos de leis federais (arts. 134, § 1°; 524; 525; 527; 756; 809, IV, do CCB e arts. 227; 233 e 252, da Lei n° 6.015/73). Ambos merecem interpretação harmônica e, por isso, conjunta, em favor da unidade Sistema que integram, vinculando a recepção dos textos normativos, em especial, aqueles do Decreto-lei n° 9.760/46 e, por óbvio, a interpretação a ser dispensada pelo Operador do Direito.

A propósito dos argumentos da Autoridade Impetrada, lançados por ocasião das informações, entendo não decorrer do art. 20, VII, da `Constituição, qualquer presunção "iure et iure" de que os imóveis registrados em nome dos impetrantes pertencem à União.

Em primeiro, porque somente uma decisão judicial, com trânsito em julgado, apresentar-se-á como hábil a afastar os efeitos dos títulos  registrados no CRI

Em segundo, não há prova contundente a seu favor, ineludível, de que os imóveis em epígrafe estejam situados na faixa considerada como de marinha. Ademais, essa questão deve ser examinada por demanda judicial, posta pela União, onde se assegurará o princípio da ampla defesa aos jurisdicionados devidamente citados, enquanto corolário lógico do devido processo legal, que se desdobra em "substantive due process" e "procedural due process". O primeiro respeita à trilogia LIBERDADE - VIDA - PROPRIEDADE ; enquanto o segundo trata das garantias procedimentais que envolvem a disputa dos bens jurídicos destacados no aspecto substancial da máxima.

Em terceiro, porque se pretende perpetuar uma linha de "preamar" média de 1831, traçada somente em agosto de 1968, mediante um procedimento administrativo viciado, ou seja, nulo de pleno direito. E por que viciado? Responde-se: Viciado porque a autoridade impetrada exibe, apenas, um mapa de dificílima compreensão sobre as bases de seu ponto de partida, além de cópias de editais com apenas nomes de ruas, sem base científica convincente.

Tal procedimento, diga-se de passagem, sequer foi anexado a estes autos. Portanto, isso não se apresenta suficiente e hábil a destruir a presunção decorrente dos títulos dos impetrantes, os quais esbanjam aparência de legítimos, para o fim de instruir a pretensão mandamental lançada.

Assim, não há a menor prova de que o procedimento tenha seguido os termos da lei, pois, até mesmo, os editais de fls. 58/59 e 101/102 são do ano de 1995 e, não do ano de 1968, quando alega a Autoridade Impetrada ter levado a efeito a demarcação de preamar médio.

 O respeito aos títulos dos impetrantes deve ser imposto à Autoridade Impetrada. A própria Constituição Federal, para a hipótese das ilhas oceânicas e costeiras, muito embora não seja o caso dos autos, impõe à à  União e aos Estados o respeito à propriedade de terceiros, donde se depreende ser falsa, inverídica e desastrosa a afirmação de haver em prol da União uma  presunção  "iure et de iure".

Qualquer solução unilateral da União é absurda e fere o Ordenamento e Sistema jurídicos. Nesse pormenor, vale a citação de um memorável acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos mais respeitados do país, onde se decidiu sobre a impossibilidade de decisões unilaterais dos agentes públicos sobre a propriedade imóvel, apresentando-se aplicável à espécie, guardadas as proporções, "in verbis ":



"REGISTROS PÚBLICOS - REGISTRO DE IMÓVEIS - TRANSCRIÇÕES DERIVADAS - DÚVIDAS - PROCESSO ADMINISTRATIVO -SOLUÇÃO UNILATERAL - NULIDADE DE REGISTRO ANTERIOR.

O conhecimento dos princípios informativos de nosso sistema de registro imobiliário e, principalmente, das dissenções doutrinárias sugeridas pelo tema, mostram que, no caso de transcrições derivadas, qualquer solução unilateral se mostra inadequada."

(Apel. Civ. 265.929, j. 16.12.77, In, Jurisprudência Brasileira, n° 25, p. 167)



Das disposições do Decreto-Lei n° 9.780/46 suscitadas nas informações prestadas peia Autoridade impetrada



 O invocado art. 2°, do Decreto-Lei n° 9.760, bem como o art. 1°, do Decreto-Lei n° 1.561 não são aplicáveis à hipótese dos autos, pois se referem aos terrenos e imóveis efetivamente pertencentes à União, ocupados por terceiros sem o devido, título.

Já o art. 198, do Decreto-Lei n° 9.760/46, refere-se claramente às "pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos", o que, igualmente, não é a hipótese dos autos. Não há qualquer pretensão (material ou processual) dos impetrantes sobre as áreas em epígrafe, justamente porque já são os proprietários, tal como consta dos títulos e registros imobiliários.

Ora, quem na verdade, ao se valer de uma atividade administrativa, lança uma pretensão sobre a área é a União, pela Autoridade Impetrada. Diga-se, de passagem, uma pretensão de direito material, e não processual.

As transações imobiliárias havidas sobre os  imóveis dos impetrantes retroagem ao final do século passado, portanto, bem anterior ao Decreto-Lei n° 9.760/46, valendo ressaltar, por oportuno, que todas as Constituições pretéritas, inclusive a de 1891, garantiram o direito de propriedade.

 A Carta Magna atual, mesmo que tenha recepcionado a legislação sobre os terrenos de marinha e ilhas oceânicas e costeira, não o fez naquilo que conspira contra o devido processo legal, entendendo-se como compreendido nos seus termos o direito de propriedade, consoante já alinhavado nessas razões de decidir.

Nesse diapasão, veja-se que o art. 10, do Decreto-Lei n° 9.760/46, ao dispor sobre a determinação das linhas de preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias, dispôs, com clareza, que deveria ser feita "a vista de documentos e plantas de autenticidade IRRECUSÁVEL. relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, à época que do mesmo se aproxime".

Essa obediência, a meu ver, não ocorreu. Repita-se, não há nos autos prova contundente desse procedimento. Deveria, pois, a Autoridade Impetrada fazê-la anexar, porquanto o procedimento administrativo é ato de sua competência.

Atento, ainda, ao disposto no art. 11, vejo que as intimações ("convite" conforme a lei) de todos os interessados certos haveria de ser pessoal. E, assim, no levantamento que deveria levar a efeito, haveria de constar os nomes de tais pessoas, mas não apenas das ruas, como se infere dos editais, cujas cópias se inserem às fls. 101/102. Somente aos interessados incertos dirigir-se-ia a intimação ("convite") via edital.

Preferiu o S.P.U. a via editalicia indistintamente, aproveitando-se de uma má redação da lei. Entretanto, a finalidade, a importância e a repercussão do ato a ser veiculado estariam a demonstrar a impropriedade da via eleita para cientificação dos "interessados". A ilegalidade, a meu ver, é assaz.

Não me convence que o S.P.U, em agosto de 1968, não tivesse conhecimento das pessoas residentes ou dos titulares de títulos sobre os imóveis, uma vez que o Registro de Imóveis sempre esteve ao alcance para atender as suas solicitações e, bem assim, para afastar as suas dúvidas.

A propósito, observe-se o entendimento dos Tribunais:



"ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO REALIZADA EM 1961, COM A SOLICITAÇÃO DOS INTERESSADOS MEDIANTE EDITAL.

NULIDADE DECORRENTE DA NÃO ESPECIFICAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS COM TÍTULOS DEVIDAMENTE REGISTRADOS (DEC. LEI 9760/46, ART. 11)

(AC 0504217, 2- Turma do TRF da 5a Região, Rel. Juiz Lazaro Guimarães, DJU 28.03.90)



Com razão a ponderação veiculada na inicial, nesse mister.

O art. 13 do citado Decreto-Lei, com clareza meridiana, impõe trabalhos topográficos a cargo do S.P.U e, assim, lança uma norma-objetivo vinculando a Administração em empenhar para conseguir documentos.

Para argumentar, tenho a dizer, ainda, que caso houvesse de prevalecer a alegada propriedade da União, jamais seria possível a cobrança da "Taxar de Ocupação ", uma vez que assistiria direito aos impetrantes, nessa remotíssima hipótese, o direito ao aforamento, consoante admite a Autoridade Impetrada. De um modo ou de outro, a ilegalidade da cobrança da "Taxa de Ocupação " é inefável.

Enfim, resta clarividente o direito líquido e certo de os impetrantes preservarem a sua propriedade, lastreada em títulos existentes e válidos, até o momento incontestados judicialmente, com plena eficácia probante, circunstância incompatível com a mera posse, decorrente de uma ocupação precária com fundamento no Decreto-Lei nº  9.760/46..



(...)”



11- A corroborar este entendimento está o Douto Parecer do Ínclito Procurador Regional da República, Dr. ALCIR MOLINA DA COSTA às fls. 242/245, que peço vênia para transcrever, verbis:



“(...)



 Merece ser mantida a r. sentença tão somente pelos motivos, a seguir, expostos.

Indubitavelmente, como bem alega a apelante às fls. 216, "desde o ano de 1500, quando Cabral aportou o Brasil, que a Coroa- de Portugal adquiriu o título originário de posse do território brasileiro. (...) Historicamente, e mesmo depois da Independência, tem a lei admitido apenas o aforamento dos terrenos de marinha (..) ". De fato, os terrenos de marinha, seus acrescidos e as ilhas oceânicas são de propriedade indiscutível da União, desde que esta não os tenha alienado a terceiros pelas formas admitidas pelo Decreto-Lei n° 9760/46, conforme lecionam Maria Sílvia Di Pietro e Hely Lopes Meirelles. A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 4°, inciso II, já versava nesse sentido, e a Carta Magna de 1988 confirmou esta regra, em seu art.26, II (e art.49, ADCT), de modo que o domínio direto dos imóveis situados na faixa delimitada a partir da Linha de Preamar Médio de 1831 pertence à União Federal.

No mérito, valeria ressaltar dois pontos, a saber:



1) O documento intitulado "Transcrição das Transmissões", acostado às fls. 25/27, comprova que Edson de Almeida Quintaes adquiriu do Estado do Espírito Santo o imóvel descrito no item 5 às fls.26v. Portanto, o referido imóvel foi, em épocas passadas, alienado a um particular. Contudo, deve-se verificar a que título os mesmos foram alienados. Hely Lopes Meirelles cita em sua obra intitulada Direito Administrativo Brasileiro algumas modalidades de alienação, dentre as quais, a venda, a doação, a dação em pagamento, a investidura, a legitimação de posse ou concessão de domínio. Versa, ainda, o seguinte:



"Qualquer dessas formas de alienação pode ser utilizada pela Administração, desde que satisfaça às exigências administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisitos do instituto específico. Em princípio, toda alienação de bem público depende de lei autorizadora, de licitação e de avaliação da coisa a ser alienada, mas caso há de inexigibilidade dessas formalidades por incompatíveis com a própria natureza do contrato.



(..) A alienação de bens imóveis está disciplinada, em geral, na legislação própria das entidades estatais, a qual, comumente, exige autorização legislativa, avaliação prévia e concorrência, inexigível esta nos casos de doação, permuta, legitimação de posse e investidura, cujos contratos, por visarem pessoas ou imóvel certo, são incompatíves com o procedimento licitatório. Cumpridas as exigências legais e administrativas, a alienação de imóvel público a particular se formaliza pelos instrumentos e com os requisitos da legislação civil (escritura pública e transcrição no registro imobiliário)."



2) Nelson de Andrade Saldanha adquiriu o domínio útil do imóvel descrito às fls.39/40, cujo domínio direto pertencia, à época, ao Município de Vila Velha. Entretanto, conforme comprova fls.42, a Prefeitura Municipal deferiu o resgate do aforamento requerido por Nelson.

Entretanto, no caso em tela, faz-se desnecessária a análise meritória, posto que não foi obedecido, no processo administrativo, o princípio constitucional do regular contraditório (art. 5º, LV, CF) ou, pelo menos, não restou devidamente comprovada, nos autos, a obediência ao mesmo. Assim versa o referido dispositivo constitucional, verbis: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; “Bastarnos-ia, portanto, basearmo-nos neste preceito constitucional para considerarmos nulo o referido processo administrativo. No entanto, até mesmo o Decreto-Lei n° 9760/46, muito embora anterior à Constituição Federal de 1988, já exigia, tacitamente, em seu artigo 11 e segs., que o processo administrativo de demarcação dos terrenos de marinha respeitasse o contraditório. Assim podemos concluir, face ao que versam os dispositivos os quais transcrevemos abaixo:



"Art.11- Para a realização do trabalho, o SPU convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando. "



'Art 13- De posse desses e outros documentos que se esforçará por obter e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o Chefe do órgão local do SPU determinará a posição da linha em despacho de que por edital com o prazo de 10 (dez) dias dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações. "



No caso em tela, podemos observar, cf. fls.57/59, que foi devidamente obedecido o que dispõe o art. 13 transcrito acima. No entanto, os autos não trazem qualquer comprovante de que tenha sido observado o que determina o art. 11, o qual, vale ressaltar, interpretamos de acordo com o que expõe o Mm. juiz a quo em sua r. sentença, às fls.204, verbis:

(...)



Seguindo este entendimento, encontramos sábia jurisprudência, a

saber:



Ementa:

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO REALIZADA EM 1961, COM A CITAÇÃO DOS INTERESSADOS MEDIANTE EDITAL.

NULIDADE DECORRENTE DA NÃO ESPECIFICAÇÃO DE PROPRIETARIOS COM TITULOS DEVIDAMENTE REGISTRADOS (DEC. LEI 9760/46, ART. 11).

APELO PROVIDO.

Informações da Origem:

TRIBUNAL/TR5 ACORDÃO RM05001615 DECISÃO:20-02-1990 PROC: AC NUM:0504217 ANO:90 UF:PE TURMA:02 REGIÃO:05 APELAÇÃO CIVEL

Fonte:

Publicação: DOE  DATA:28-03-90

Relator:

JUIZ:508 -JUIZ LÁZARO GUIMARÃES

Decisão:

UNANIME.



Assim, diante dos motivos acima expostos, somos pela concessão da segurança, mantendo-se, portanto, a r. sentença, tão somente pela ausência de provas nos autos que confirmem a obediência ao regular contraditório na via administrativa.



(...)”



12- Sobre a matéria traz-se à baila Arestos desta Colenda Corte, in verbis:



A) ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO. NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA. IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL.

1-) Rejeitadas as alegações de decadência e de prescrição, na medida em que o argumento aduzido encontra-se afeto ao mérito da ação.

2-) Ação proposta com vistas à anulação de cadastramento na Secretaria de Patrimônio da União, de imóveis de propriedade do autor, localizados no bairro Praia da Costa, Vila Velha, no Espírito Santo, argumentando ele ser possuidor de títulos de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial.

 3-) De fato, a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1º , do artigo 134 do Código Civil de 1916, e uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, artigo 859).

4-) Acresce que a União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-lei nº 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a títulos de domínio do autor, atributos estes que só poderão ser afastados por decisão judicial que os declare nulos ou inexistentes. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dele a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos.

5-) Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61 §§ 1o e 2o, do Decreto-lei nº 9.760/46, tem-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna.

6-) Apelação e remessa improvidas.

(TRF 2ª Região. AC 2003.50.01.006277-1,  Quinta Turma Especializada, Rel. Des. Fed. ANTONIO CRUZ NETO, DJU  16/07/2009, pág. 179)



B) ADMINISTRATIVO - DIREITO DE PROPRIEDADE – TERRENOS DE MARINHA – IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE PARTICULAR – TAXA DE OCUPAÇÃO.

I – “Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação". O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção. Inteligência dos artigos 9º e seguintes do Decreto-Lei 9760 e seu cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior.” (AMS 98.02.37472-5, 2ª Turma, TRF-2, Relator Juiz Guilherme Couto de Castro)

II – Apelação e remessa improvidas.

(TRF 2ª Região. AMS 2002.50.01.008803-2,Rel. Des. Fed. CASTRO AGUIAR, Segunda Turma, DJU 13/07/2004, pág. 155)



C) ADMINISTRATIVO – TERRENO DE MARINHA - TAXA DE OCUPAÇÃO - TÍTULOS DE DOMÍNIO PLENO - NEGATIVA DE VALIDADE E EFICÁCIA - IMPOSSIBILIDADE SENÃO MEDIANTE ANULAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL – DEPÓSITO JUDICIAL DOS VALORES QUESTIONADOS – AUTORIZAÇÃO.

I – É a autora possuidora de título de domínio pleno, cuja desconsideração só se admite à vista de anulação por decisão judicial. É que a escritura pública faz prova plena, como preceitua o § 1o do art. 134 do Código Civil de 1916 (art. 215 do CC de 2002) e, uma vez inscrita no registro de imóveis, estabelece, em favor do adquirente, a presunção de titularidade do direito real (CC de 1916, art. 859).

 II - A União não pode, por simples ato administrativo, com apoio em disposições do Decreto-Lei nº 9.760/46 que, em princípio, conflitam com a lei de registros públicos (que é norma específica), negar validade e eficácia a títulos de domínio do autor, atributos esses que só poderão ser afastados por decisão judicial que os declare nulos ou inexistentes. Enquanto isto não ocorre, milita em favor dele a presunção iuris tantum de validade dos referidos títulos.

III - Inatendidas as disposições dos artigos 11 e 61, §§ 1o e 2o, do Decreto-Lei nº 9.760/46, têm-se por inobservadas as exigências do devido processo legal, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa assegurados na Carta Magna. IV - Acresce que, por força da alteração introduzida no artigo 20, inciso IV, da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 46/2005, restaram excluídas do domínio da União as ilhas costeiras que contenham sede de Município. Note-se que, em decorrência dessa modificação, o STF vem decidindo pela ilegitimidade da União para contestar, em ação de usucapião, o domínio de terrenos situados na ilha de Santa Catarina, onde sediado o Município de Florianópolis. Nesse sentido: RE 596.853/SC, Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 02/03/2009 e RE 34.1140/SC, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 11/11/2005.

V- Apelação e remessa necessária improvidas.

(TRF 2ª Região. AC 2003.50.01.014847-1/RJ, Quinta Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Conv. MAURO SOUZA MARQUES DA COSTA BRAGA, DJU 30/06/2009, pág. 89)



13- Por tais razões, nego provimento à apelação e à remessa necessária, confirmando a r. Sentença de Primeiro Grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.



14- É como voto.









RALDÊNIO BONIFACIO COSTA

RELATOR





E M E N T A



ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA E ACRESCIDOS. BEM PÚBLICO. PROPRIEDADE DA UNIÃO. DECRETO-LEI 9760/46. EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. TAXA DE OCUPAÇÃO. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA.

-Trata-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da r. Sentença que, reconhecendo a plenitude da propriedade dos Impetrantes, julgou procedente a pretensão mandamental para anular as inscrições dos imóveis levadas a efeito junto à Secretaria de Patrimônio da União, D.P.U/E.S, bem como os atos de lançamentos das respectivas “Taxas de Ocupação.”, sendo esta cobrança indevida, por constar no Registro Geral de Imóveis,  seus nomes enquanto respectivos proprietários dos referidos imóveis.

-É importante frisar-se que os pronunciamentos e declarações firmados pela Secretaria do Patrimônio da União presumem-se inteiramente legítimos, mormente porque decorrem de atribuições que lhe conferem o DL 9760/46 e o Decreto nº 1745/95.

-A alegada oponibilidade dos títulos dos Impetrantes, não serve para ilidir a dominialidade da União em relação aos terrenos de que aqueles tratam.

-Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46.

-O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.

-Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo Código de 2002 adotou o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.

-Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.

-Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.

-Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado

-Noutro eito, há que se sublinhar que em sede de Mandado de Segurança, não há como, face à imperiosa necessidade de dilação probatória, como se impõe no caso, afastada a utilização, outrossim, senão fosse, a já caracterização do bem como próprio nacional, o que demandaria demanda própria, conforme preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, mutantis, Resp 635980, DJ 27/9/04.

- Remessa Necessária e Recurso providos.

  

ACÓRDÃO



Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Oitava Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, por maioria, dar provimento à remessa necessária e ao recurso, nos termos do Voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Vencido o Relator.

Rio de Janeiro, 27/10/2009 (data do julgamento).

POUL ERIK DYRLUND

Relator


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